Nós, entidades e órgãos abaixo-assinados, vimos manifestar publicamente nosso repúdio à iniciativa de integrantes do Centro de Biociências da UFRN que convidam a psicóloga Marisa Lobo, conhecida defensora da “terapia de reversão da orientação sexual” de gays e lésbicas, conhecida como “cura gay”, para participação em evento intitulado I Ciclo de Estudos sobre Corpo Humano – Filosofia e Sociedade, que se desenvolve desde agosto. O referido evento foi cadastrado como atividade de extensão pelo Departamento de Morfologia, conta com financiamento da Pró-Reitoria de Extensão/PROEX da UFRN e com a parceria do Instituto Felipe Camarão, agremiação de militância conservadora no RN, que se define como “restauradora” da “cultura brasileira” e da “tradição cristã”.
O tal ciclo de estudos apresenta temas e abordagens num claro viés reacionário, que reflete a defesa de pontos de vista atualmente sustentados na sociedade brasileira por militantes de direita e fascistas. Assuntos como drogas, aborto, pedofilia e homossexualidade aparecem em mesas-redondas e palestras, sem a presença de pesquisadores da UFRN que estudam e orientam pesquisas sobre esses temas, com o claro objetivo de contrabandear para o interior das instituições de ensino superior o pensamento que nelas não se ensina, e que não pode ser ensinado, pois baseado em convicções políticas, crenças religiosas ou ideias ideológicas que atentam contra as próprias ciências e estudos que são a razão de ser da milenar instituição que chamamos Universidade. E registre-se aqui também que os organizadores do evento impediram a inscrição de professores e estudantes vinculados a grupos de pesquisa que estudam os temas mencionados, numa clara decisão de cercear a crítica, o debate e o enfrentamento das ideias, para monopólio das visões reacionárias e anticientíficas que defendem, tornando-se pensamento único a circular no evento.
Sem a aceitação de seus pontos de vista nas diversas ciências que estudam o humano, a sociedade, a cultura e a história, integrantes da direita política do país buscam agora espalhar suas visões reacionárias também dentro das universidades, e aqui no RN igualmente, o que deve ser repudiado sem trégua. Visões decididas a produzirem o rebaixamento da dignidade e o status de mulheres, gays, lésbicas, travestis, transexuais, transgêneros, jovens, trabalhadores, prisioneiros, prostitutas, imigrantes, o que não pode contar com a cumplicidade daqueles que produzem o conhecimento científico no Brasil. Afinal, para lembrar Einstein, “a ciência existe para aliviar a canseira da humanidade” e, entre os humanos, sabemos bem quais são aqueles que, por convenções sociais e políticas deliberadas, carregando o fardo maior dessa canseira, até aqui, pagam o preço de ver suas existências negadas, sacrificadas, violentadas. A ciência e a Universidade não estão erradas em fazer sua opção preferencialmente para apoio a esses.
Inadmissível que a UFRN acolha pessoa engajada no rebaixamento da dignidade de gays e lésbicas, ao sugerir que a estes sejam oferecidas terapias de reversão de suas sexualidades, como se ser gay ou lésbica configurasse algum atributo negativo, sob a falácia que “pessoas em sofrimento devem ter a oportunidade de tratamentos”, mas sem que se diga que o sofrimento não é inerente à homossexualidade, nem realidade vivida por todos os LGBTI, mas algo susceptível de ocorrer a apenas alguns e por efeito da homofobia praticada na sociedade contra aqueles e aquelas que não aderem à heteronormatividade hegemônica. A UFRN acolher tal pessoa é tornar-se cúmplice da produção de discurso que patologiza a homossexualidade, coisa que não se pode esperar de uma instituição pública de ensino e pesquisa de nível superior.
A falácia de reacionários e da direita do país que mencionam o “direito à liberdade de expressão” e aludem à “democracia”, para defenderem seus pontos de vista, não pode servir para que a Universidade caia na armadilha que ameaça a própria democracia. Pois, numa democracia, não se torna admissível qualquer proposição cuja aplicação fira a paridade participativa de indivíduos ou de setores na interação social, por negação de reconhecimento social e político, o que são bem os casos do sexismo, racismo, homofobia, xenofobia, entre outros exemplos. Democracia não se efetiva com regressão de direitos e práticas anticivilizatórias!
Conselho do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Núcleo de Estudos Críticos em Subjetividades Contemporâneas e Direitos Humanos – NUECS-DH
Núcleo Interdisciplinar de Estudos de Gênero e Sexualidade – TIRÉSIAS
Revista Bagoas: estudos gays – gênero e sexualidade
Grupo de Estudos e Pesquisa em Trabalho, Ética e Direitos – GEPTED
Grupo de Estudos e Pesquisa em Trabalho, Questão Urbano-rural-ambiental, movimentos sociais e Serviço Social – UFRN
Grupo de Pesquisa Mythos-Logos: Religião, Mito e Espiritualidade – UFRN
Grupo de Estudos e Pesquisa em Questão Social, Política Social e Serviço Social – UFRN
Grupo de Estudos de Gênero, Sexualidade, Trabalho e Meio-Ambiente – SAGMA – UFRN
Grupo de Pesquisa “Ações promocionais de atenção a grupos humanos em saúde mental e saúde coletiva” – UFRN
Grupo de Estudos e Pesquisas em Seguridade social e Serviço Social – UFRN
Grupo de Estudos da Complexidade Grecom – UFRN
Grupo de Estudos Estúdio Conceito – UFRN
Grupo de Pesquisa Gênero, Corpo e Sexualidade – UFRN
Centro de Referência em Direitos Humanos – CRDH
Departamento de Ciências Sociais – UFRN
Departamento de Antropologia – UFRN
Departamento de Psicologia – UFRN
Departamento Serviço Social – UFRN
Departamento de Políticas Públicas – UFRN
Departamento de História – UFRN
Departamento de Artes – UFRN
Departamento de Geografia – UFRN
Departamento de Filosofia – UFRN
Departamento de Comunicação – UFRN
Programa de Pós-Graduação em Serviço Social – UFRN
Programa de Pós-Graduação em Neurociências – UFRN
Coordenação do Curso de Graduação em Ciências Sociais – UFRN
Associação Brasileira de Antropologia (ABA)
Conselho Regional de Serviço Social 14° Região RN
Rede Emancipa Natal de Cursinhos Populares
Delegação de Psicanálise do Rio Grande do Norte
Instituto do Cérebro
Coletivo Teatral Transforme-se – UFRN
Coletivo feminista classista Ana Montenegro – RN
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