Após 8 meses da rebelião que expôs as chagas do falido sistema penitenciário brasileiro, um dos maiores jornais americanos, o Los Angeles Times, publicou um artigo denunciando que o drama das famílias continua. De acordo com a matéria, ainda há busca de respostas e corpos. O Governo tem sido omisso e tenta criminalizar entidades, que dão suporte as famílias das vítimas e dos apenados. Leia a tradução abaixo:
Meses após o massacre em prisão brasileira, as famílias dos presos ainda estão procurando respostas – e corpos
Por Jill Langlois
“Guilherme Figueiredo da Silva sabia que ia morrer”.
Em um telefonema da Penitenciária Estadual de Alcaçuz, onde o filho de 36 anos estava cumprindo uma sentença por uma condenação por drogas, ele disse a seu pai que uma rebelião estava sendo planejada, mas que as autoridades não estavam fazendo nada para evitar isso.
Dois dias depois, seu pavilhão se tornou um matadouro, enquanto membros de gangues em outro bloco atacaram com facas e armas durante dois dias, decapitando muitas de suas vítimas e incendiando seus corpos. O número oficial de mortes foi de 26, embora as famílias de sobreviventes e presos dissessem que era muito maior.
O massacre renovou os pedidos de mudanças no desacreditado sistema prisional do Brasil e estimulou as promessas do governo para melhorar o treinamento para os guardas e fazer outras reformas destinadas a acabar com as guerras de gangues, que há muito tempo se expandiram das ruas para as penitenciárias.
Porém, mais de sete meses depois, o governo ainda não produziu um levantamento completo da violência, e não está claro se as prisões estão mais seguras.
Três dias após o massacre, o pai de Guilherme recebeu um telefonema da esposa de um dos companheiros de cela de seu filho. Ela queria avisar, que seu marido tinha visto Guilherme morrer.
Mas as autoridades ainda não encontraram seu corpo.
“Foi um matadouro, como se reunissem gado para matar”, disse seu pai, Francisco Luiz da Silva. “Nós, as vítimas, estamos aguardando uma resposta do Governo. Nós é que estamos na prisão agora. A sociedade quer respostas. A sociedade quer paz. ”
Uma grande parte do problema é o crescente número de presos.
Entre 2000 e 2014, o número total da população carcerária subiu de 232.755 para 622.202, dando ao Brasil a quarta maior população carcerária do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, China e Rússia.
O aumento foi causado pelas leis antidrogas do país, que aplicam as mesmas penalidades para a posse de narcóticos de baixo nível quanto ao tráfego mais grave. As longas penas são cumpridas entre membros de gangues, homicidas e responsáveis por outros crimes violentos.
A Human Rights Watch afirma que as prisões em todo o Brasil mantem prisioneiros “em células escuras, úmidas e mal ventiladas”, e que a tuberculose e outras doenças são algo comum. Em uma das prisões visitadas pelo grupo, 60 homens estavam empilhados em uma cela com apenas seis camas de concreto.
A construção de novas penitenciárias não acompanham o ritmo do crescimento, e poucos estados aceitam.
Não há previsão de contratação de novos guardas , e um único funcionário é responsável por monitorar mais de 300 presos, de acordo com o estudo. O treinamento deles é pobre ou inexistente, e a corrupção é altíssima. Em algumas prisões, os guardas deram o contro aos apenados, eles literalmente dão as chaves.
Isso permitiu que as potentes gangues do país florescecem dentro das penitenciárias, onde as batalhas crescem e novos membros são recrutados.
Em 2016, houve 379 mortes violentas em prisões brasileiras, tanto homicídios quanto suicídios. Este ano tem sido marcado por algumas das piores violências, desde 01 de janeiro, quando membros do grupo Família do Norte atacaram o grupo do Primera Comando da Capital (PCC) e mataram 67 presos em uma penitenciária de Manaus, no norte do país . Cinco dias depois, o PCC se vingou e assassinou 33 prisioneiros na cidade de Boa Vista.
Então veio o massacre de 14 de janeiro, em Alcaçuz. Membros do PCC invadiram outro pavilhão que abriga a gangue rival, Sindicato do Crime.
A superpopulação foi um problema nos cinco edifícios da prisão. Em 2015, um juiz proibiu a Alcacuz de aceitar mais presos. Naquela época, a prisão tinha pelo menos 1.490, 46% a mais do que a capacidade.
Funcionários disseram que os guardas nunca foram treinados e que, os familiares e os defensores dos direitos humanos, os acusaram de facilitar o massacre, abrindo as portas da prisão e fornecendo armas e coletes à prova de balas aos atacantes. Duas semanas após os assassinatos, o governo federal levou 78 guardas de outros quatro estados para assumir o controle das instalações. Com containers, foi construída uma enorme parede que separa as bandas rivais.
Quatro meses depois, o estado do Rio Grande do Norte nomeou o especialista penitenciário que liderou a iniciativa, Luis Mauro Albuquerque Araujo, como novo secretário de justiça – o quinto em menos de três anos – e foi encarregado de supervisionar mais mudanças.
Desde então, novas grades de aço foram adicionadas aos corredores, o que permite que os guardas contenham lutas em uma área de duas a quatro celas; As portas se bloqueiam automaticamente quando fechadas. Para limitar o movimento dos presos, cada ala terá sua própria enfermaria, e o pátio da prisão agora tem banheiros. O trabalho ainda está em andamento.
Cada guarda recebeu 400 horas de treinamento básico que incluiu autodefesa, vigilância, procedimentos de busca e escolta de prisioneiro.
Esse treinamento, no entanto, despertou controvérsia depois que a mídia brasileira denunciou um vídeo mostrando uma guarda cantando uma paródia da música “Despacito” diante de um grande grupo de recrutas, substituindo as letras originais por sugestões de como os guardas devem humilhar e punir os prisioneiros. Nas imagens, é possível ver Araujo, que no final do clipe felicita a mulher por sua voz.
No entanto, o secretário rejeitou as críticas e afirmou que os procedimentos que ele implementou – o impedimento de conversas entre celas através de gritos, horários rigorosos para refeições e caminhar apenas pelo meio dos corredores, entre duas linhas amarelas – criaram calma e uma sensação de rotina na prisão. Mas, as esposas e as amigas de vários prisioneiros que sobreviveram ao massacre e permaneceram em Alcaçuz detalharam que a situação ainda está tensa e que essas barreiras não conseguiram separar as gangues. “Por que construir um muro se os membros de gangue têm permissão para viver com aqueles que não integram esses grupos, em um mesmo lugar?” Perguntou uma mulher que, como o resto dos entrevistados, falou sob anonimato, por medo de sua segurança e a dos familiares apenados.
Parentes também advertiram que os homens estão passando fome por dividirem refeições, que muitas vezes chegam estragadas. As camas de concreto não têm colchões e são divididas por dois ou três apenado, enquanto outros dormem no chão.
Os prisioneiros e suas famílias falaram de tortura, incluindo choques elétricos e espancamentos. Várias das mulheres relataram que, durante as recentes visitas, os homens relataram que os guardas os obrigaram a ficar com as mãos atrás de suas cabeças para que pudessem bater com eles com bastões. “Isso os atinge tanto, que um pequeno barulho, faz eles virarem a cabeça para ver onde estão os guardas”, disse uma esposa. “Durante a rebelião, pelo menos 100 pessoas devem ter morrido, mas suas famílias não fazem perguntas porque têm medo”.
Outra mulher, cujo marido foi morto no massacre, afirma que continua a exigir uma explicação completa do massacre. “Eu quero que as pessoas saibam o que está acontecendo aqui”, disse. “O Estado não diz nada, é opressivo; eles não querem reabilitar ninguém. Essa prisão é uma fábrica de monstros “.