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Por uma reforma política democrática

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Homero Costa (Professor do Dep. Ciências Sociais – UFRN)

Depois do arquivamento da denúncia contra o presidente Michel Temer por corrupção passiva, a reforma política passou a ser considerada como uma das prioridades da Câmara dos Deputados. Propostas é que não faltam, tanto no Congresso Nacional como na sociedade civil organizada. No Congresso, foram formadas muitas comissões e que resultaram em muitas propostas. Uma delas em 2003, no início do primeiro governo Lula, e que a exemplo das anteriores e também de outras comissões que se formaram depois, elaborou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), a de n. 77,  que foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça, mas não foi votada em plenário. Depois, ficou parada por 14 anos. No inicio de maio de 2017, o presidente da Câmara autorizou a criação de outra comissão para tratar da PEC 77. Ela propõe que se estenda de quatro para cinco anos os mandatos de cargos eletivos e determina a simultaneidade das eleições federais, estaduais e municipais.

O retorno da discussão da PEC n.77 naquele momento (maio de 2017) gerou receios na oposição. O entendimento era de que podia se tratar de uma manobra da base governista para estender o mandato de Michel Temer por mais um ano ou para inviabilizar as eleições de 2018.

No relatório da atual Comissão da Reforma Política, que tem como relator o dep. Vicente Cândido (PT/SP), além de manter a proposta de mandatos de cinco anos propunha o fim dos cargos de vice (prefeitos, governadores e presidente da República), a adoção do sistema de lista fechada nas duas próximas eleições e do sistema distrital misto a partir de 2026.

Mais de um ano depois de constituída a comissão, houve várias mudanças nas propostas. A extinção dos cargos de vice (presidente, prefeito e governador) foi rejeitada na comissão, assim como a extinção de suplentes de senador. A proposta era de que ao invés de dois suplentes, seria apenas um. Em caso de vacância, ele seria substituído pelo deputado de seu partido e Estado que tivesse sido o mais votado.

Manteve a proposta inicial da adoção do sistema distrital misto para 2022. Para eleger deputados federais e estaduais, os eleitores votarão duas vezes. Um no candidato de seu distrito e o outro em uma lista pré-determinada pelos partidos. Serão eleitos o mais votado de cada distrito e o outro, proporcionalmente.

Uma das críticas a adoção desse sistema é o maior controle que os “donos” das legendas terão na composição das listas. Mas esta talvez seja de mais difícil aprovação. Como se trata de uma PEC é preciso 308 votos para aprová-la. Na comissão, os parlamentares ficaram divididos. Foram 17 votos a favor, 15 contrários e 2 abstenções. Se essa proporção se repetir em plenário, ela deverá ser rejeitada.

   Mas uma das propostas que tem gerado polêmica é quanto aos recursos públicos para financiar eleição, chamado inapropriadamente de Fundo Especial de Financiamento da Democracia. A proposta é que seja de R$ 3,6 bilhões. Ele será composto por recursos da União e corresponderá a 0,5% da receita corrente líquida dos últimos 12 meses. Hoje, esse valor atingiria 3,6 bilhões de reais. Esse recurso é exclusivo para pagar as campanhas. O Fundo Partidário, que representa cerca de 800 milhões anuais, é um valor à parte e segue vigente.

A questão é que, se por um lado a influência do poder econômico na política em principio poderia ser reduzida, o problema diz respeito não apenas ao valor, mas também quanto à transparência no seu uso, ou seja, como controlar a distribuição entre os partidos. E mais: como entender tal valor num momento de crise no qual faltam recursos para as áreas de segurança, educação, saúde etc., com um governo alegando a necessidade de ajustes fiscais e reformas e restringindo investimentos, com cortes de gastos, congelamento de salários de servidores etc.?  O problema é que, com esse congresso e esse governo, tem chance de ser aprovada porque conta com o apoio da quase totalidade dos partidos.

Outra proposta polêmica, mas que tem muita chance de ser aprovada é a adoção do chamado distritão. Como se sabe, é o sistema no qual são eleitos os deputados e vereadores mais votados. Hoje, o sistema é proporcional, com as cadeiras distribuídas de acordo com os votos dados aos candidatos do partido e da coligação, levando em conta o chamado quociente eleitoral. Pelo sistema atual, o mais votado não garante necessariamente uma cadeira na Câmara. Ele soma o número de votos de todos os candidatos da legenda e, a partir daí, se definem quantos parlamentares o partido terá direito. “O fato é que a adoção do “distritão” como diz Jânio de Freitas (Folha de S. Paulo, 13/08/2017) inovará para pior. “ Interpretado, em geral, para facilitar de reeleição das cúpulas partidárias, mais do que isso, facilitará a intervenção eleitoral de determinadas organizações. Imagine-se Marcola e Fernandinho Beira-Mar mandando seu pessoal nos Estados concentrar-se em um ou alguns candidatos”…

Outras propostas foram apresentadas e depois retiradas em função da repercussão negativa, como a chamada pela oposição de “Emenda Lula”, que previa estender de 15 dias para oito meses antes das eleições o período em que candidatos não poderiam ser presos, salvo em caso de flagrante. Outras que talvez sejam votadas são a que prevê o fim das coligações (já aprovada no Senado), e a que cria uma cláusula de barreira, que iniciaria em 1,5% dos votos de pelo menos 14 Estados.

Para ter validade nas eleições do próximo ano as propostas terão de ser aprovada, em dois turnos, na Câmara e no Senado até inicio de outubro de 2017, ou seja, em menos de dois meses para fazer aquilo que não fez em muitos anos.

Essencialmente, o que os parlamentares pretendem não é uma reforma política ampla e muito menos democrática. Não são mudanças que trarão melhorias na qualidade da representação, na moralidade nas eleições e muito menos no fortalecimento dos partidos políticos. O que estão chamando de reforma política são na realidade alguns tópicos de uma limitada reforma eleitoral e cuja preocupação é, fundamentalmente, criar as condições para viabilizar a reeleição deles. Uma reforma política democrática é fundamental, tal como proposta pela Coalizão pela Reforma Política Democrática, criada com a participação de mais de 100 entidades em agosto de 2013 e que defende um conjunto de reformas estruturais entre as quais a reforma urbana, agrária, democratização dos meios de comunicação etc., mas considera que não há como realizar essas reformas sem antes aprofundar o processo de democratização do poder político no Brasil através de uma Reforma Política Democrática, com ampla participação popular, com a ampliação dos mecanismos da democracia direta. Sem isso, será apenas mais do mesmo e no caso, piorar o que já ruim.