Search
Close this search box.

A criminalização da tática Black Bloc no Brasil e a apologia ao terrorismo de direita na Venezuela

Compartilhar conteúdo:

Por Bruno Costa

Divirjo da tática black bloc, mas divirjo por motivos completamente distintos daqueles que levam a direita política, empresarial e midiática a criminalizar as ações de desobediência civil protagonizadas por jovens mascarados no Brasil, que em geral são estigmatizados como vândalos, marginais e/ou terroristas.

Não considero violento destruir vidraças de bancos, grandes empresas e instituições do Estado quando tais bancos, empresas e o próprio Estado conformam um sistema que é responsável pela desigualdade, pelo genocídio da juventude pobre e negra, pela criminalização dos movimentos sociais, pela lgbtfobia e pela negação e/ou violação cotidiana dos direitos humanos.

Entendo perfeitamente a motivação de um jovem que, depois de testemunhar o assassinato de seus semelhantes, depois de vivenciar a violência com a qual a polícia atua em sua comunidade periférica, depois de aguentar calado diversos baculejos e violações de direitos, depois de ser assediado ideologicamente pela campanha sistemática de criminalização da política e dos políticos, decide aderir à tática black bloc como forma de confrontar o sistema que o oprime.

Black bloc (do inglês black, preto; bloc, agrupamento de pessoas para uma ação conjunta ou propósito comum de block: bloco sólido de matéria inerte). (Foto: Reprodução)

Discordo da tática, pois ela costuma ser adotada no interior de protestos convocados, organizados e dirigidos por centrais sindicais e movimentos populares, em detrimento das deliberações coletivas adotadas nos fóruns tradicionais e legítimos da classe trabalhadora; pois a militância das centrais sindicais e movimentos populares costuma ser explorada como escudo por quem decidiu, isoladamente, enfrentar a polícia; pois ela facilita a atuação de agentes policiais infiltrados no interior das manifestações, que agem disfarçados de black blocs para antecipar o confronto, justificar a repressão e esvaziar os protestos; pois ela favorece a atuação da grande mídia empresarial, que direciona suas lentes para as ações de desobediência civil e desestimula a população a participar das manifestações futuras.

Chamo atenção, entretanto, para a hipocrisia da grande mídia empresarial e da direita brasileira, que ao mesmo tempo que criminalizam e estigmatizam os black blocs no Brasil, aliam-se ao imperialismo euro-norte-americano para fazer apologia ao terrorismo de direita na Venezuela, responsável por uma tentativa frustrada de golpe de Estado em 2002 e pela organização de milícias armadas que – depredando e/ou incendiando ônibus, centros de abastecimento popular, postos de saúde, delegacias de polícia, escolas, quartéis e atacando violentamente pessoas ligadas ao chavismo – tentaram inviabilizar o processo de eleição de uma nova Assembleia Nacional Constituinte, convocada pelo presidente Nicolás Maduro no dia 1° de maio.

(Foto: Reprodução)

A convocação da Constituinte foi a alternativa encontrada pelo governo venezuelano, devidamente fundamentada na Constituição, para tentar preservar os avanços sociais da Revolução Bolivariana iniciada com a eleição de Chávez em 1998 e impedir que o acirramento da disputa de classes leve o país a uma guerra civil e a uma possível intervenção estrangeira.

Em detrimento do boicote internacional e das tentativas de sabotagem do processo eleitoral empreendidas pela oposição de direita, que ameaçou eleitores, atacou centros de votação, utilizou bombas contra a Guarda Nacional e tentou impedir a população de votar, o Conselho Nacional Eleitoral – espécie de Tribunal Superior Eleitoral da Venezuela – comunicou que mais de 8 milhões de venezuelanos compareceram às urnas para eleger a nova Assembleia Nacional Constituinte, demonstrando que o chavismo ainda possui base social para derrotar mais um empreendimento golpista.

México, Colômbia, Panamá, Argentina, Costa Rica, Peru, Paraguai, Espanha e Estados Unidos anunciaram que não vão reconhecer a legitimidade dos resultados da votação da Assembleia Constituinte. (Foto: Carlos Garcia Rawlins/Reuters)

A oposição de direita se recusou a participar da Constituinte, não reconhece o resultado eleitoral e afirma que o número de eleitores foi fraudado. O processo, no entanto, foi conduzido pelo mesmo Conselho Nacional Eleitoral que, em 2015, conduziu a eleição para a Assembleia Nacional da Venezuela e reconheceu a significativa vitória eleitoral da oposição de direita. Resta saber se a oposição, para sustentar a tese da fraude eleitoral, também vai se abster de participar das eleições dos futuros governadores, agendadas para o mês de dezembro, que haverá de ser conduzida pelo mesmo Conselho Nacional Eleitoral.

Protestos tomaram conta do país durante votação da Assembleia Constituinte. (Foto: Reprodução)

O desfecho da disputa em curso na Venezuela é incerto, pois envolve complexos interesses geopolíticos e econômicos internacionais. A pressão exercida pelos Estados Unidos e por seus aliados na América Latina, incluído o governo ilegítimo do Brasil, contra o governo democraticamente eleito de Nicolás Maduro é explícita e contraria os princípios da não intervenção e da autodeterminação dos povos.

Independente de qual venha a ser o desfecho da disputa, resta nítido que a grande mídia empresarial e a direita brasileira fazem apologia ao terrorismo de direita e atuam no sentido de convulsionar a Venezuela em benefício do processo de restauração neoliberal da América Latina. Os apologistas terão cada vez menos autoridade para questionar ou condenar a ação dos black blocs, inclusive por serem protagonistas do golpe de Estado consumado no Brasil e do caos econômico e social que se instala em nosso país.

Bruno Costa é graduado em Letras – Língua Portuguesa e Literaturas (UFRN). Mestre em Literatura e Memória Cultural (PPGEL/UFRN) e militante do Partido dos Trabalhadores.