Ontem, gastei uma tarde inteira em um poema. Lugar inusitado, insólito, inesperado. Uma tarde inteira! Briguei com o meu amor, não paguei as últimas contas atrasadas, esqueci-me de regar as plantas. Uma tarde inteira! De vez em quando, passeando por outros textos, na esperança de encontrar salvação, folheava o livro. “Todo poeta é um perigo ambulante” – era uma resposta que não respondia coisa alguma; era uma chave que não abria fechadura alguma. Ainda ontem me consumi no poema. Havia na atmosfera da sala um misto de angústia e desafio. Tudo por conta do poema! Ele, definitivamente, era maior do que eu. Mas eu, em demasiada luta contra moinhos, fiquei (há coragem em reconhecer-se pequeno!). A tarde esticou-se, o meu amor enfadou-se, os pássaros e as folhas cantaram – estava atento, mas o poema era mistério. Puxei setas, fiz anotações, dobrei o canto da página. Incendiei o mundo, costurei a paciência, remendei o que não podia – o poema: impossível! Era tempo o lugar em que nós nos sustentávamos – o poema e eu –, era tempo o que era empregado naquela fascinação. A noite arremessou-se contra o cômodo, tudo silenciou… mas o poema era treva e mudez havia milênios.
Fechei o livro – foi erguida a bandeira da trégua. “Amanhã recomeço”.