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Entrevista: Sociólogo afirma que prisões são fábricas de delinquência em massa

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“Prisão não dá voto. Ninguém quer prisão perto de si, embora sempre clame por bandido preso”

Na terceira entrevista do dossiê “Prisões, a Carta Potiguar conversou com o sociólogo Thadeu Brandão sobre as possíveis raízes da crise prisional brasileira, o crescimento das “redes criminosas”e o destino de Alcaçuz. Brandão é líder do grupo de Pesquisa “Observatório da Violência do RN”. Autor de “Atrás das Grades: habitus e interação social no sistema prisional” e co-autor de “Rastros de Pólvora: Metadados 2015” e de “Observatório Potiguar 2016: Mapa da Violência do RN”

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Thadeu Brandão mantém o blog Castelo de Cartas Brasil (Foto: Reprodução)

As rebeliões que tem ocorrido em diversas prisões pelo Brasil, elas possuem elementos e causas em comum? Diante dos problemas bem conhecidos do sistema prisional, já não era algo esperado e anunciado, e mesmo assim, as autoridades se mostraram surpresas, por que?

As várias rebeliões ocorridas neste ano estão interligadas apenas e, na medida em que, são promovidas por uma luta por hegemonia do PCC (Primeiro Comando da Capital) nas regiões Norte e Nordeste. Tanto no Norte (com a hegemonia da “Família do Norte”), quanto aqui no RN (com a hegemonia do “Sindicato do Crime do RN”), temos uma disputa pelo controle do sistema prisional, assim como também no tráfico de drogas externo a este. O PCC está em franco crescimento nestas áreas, como apontado em pesquisas sobre o mesmo desde 2011. Além destas, fontes da polícia e do MP também mostram que a rede criminosa se articula para consolidar esse controle, que ainda não aconteceu. O surgimento do Sindicado do Crime, neste sentido, é uma reação de parte da massa carcerária ao PCC.

Os problemas do sistema prisional, notadamente de Alcaçuz são antigos e constantemente negados pelas autoridades. Todos que trabalham com o sistema sabem o quanto ele era frágil e o quanto, por exemplo, Alcaçuz era uma bomba relógio prestes a explodir. Era questão de tempo, já que, desde 2015, o desmantelamento do presídio, a superlotação e a falta de material humano para conter o problema já era visível.

As organizações criminosas foram peças centrais nessas rebeliões, massacres e também nos ataques promovidos fora das prisões aqui no Rio Grande do Norte, como e por que essas organizações adquiram tamanho poder, se tornaram tão fortes?

O que você (e a imprensa em geral) denominam de “Organizações Criminosas”, eu prefiro chamar de “Redes Criminosas”, como apontei em minha tese/livro defendida em 2011 e publicada em 2014. Mais fluidos e mais conectados que organizações em geral, essas redes atuam no sistema prisional brasileiro desde a década de 1980 e 1990, se fortalecendo com a superlotação, a falta de estrutura e isolamento dos presos e, finalmente, com a tecnologia de comunicação.

O que permite que essas redes criminosas (Comando Vermelho, PCC e demais) consigam se fortalecer é a fantasia de que o sistema prisional brasileiro existe. Ou seja, de que realmente isolamos e permitimos o cumprimento de penas individualizadas por parte dos apenados. Jogados em pavilhões imensos, largados quase que à própria sorte, os presos são confrontados por grupos que lhes oferecem a seguinte alternativa: ou aderem a essas redes (com proteção garantida) ou podem ser mortos ou seviciados. Uma vez aderindo, algumas mais agressivas como o PCC, passam a cobrar mensalidades (ou semanalidades) aos presos, além do cumprimento de várias tarefas dentro e fora das prisões. Ao construir uma prisão calabouço, sem isolamento e sem garantias mínimas de punibilidade dentro do Estado de Direito, o Brasil permitiu o surgimento dessas redes.

Hoje, com o celular, o aumento do tráfico de drogas e as demais formas de criminalidade, essas redes tendem a crescer: afinal, boa parte de sua “mão-de-obra” advêm de jovens, pardos e negros, moradores de periferias e com pouca escolaridade, presos por delitos pequenos (principalmente no varejo do tráfico) que são, em massa, jogados nas prisões. Essa massa que dobrou na última década, dobrará enquanto não deixarmos de retroalimentarmos nossas prisões.

Muitos especialistas e estudiosos apontam que o caos do sistema prisional é produzido pelo abandono do Estado em relação a seus presos e pela total falta de compaixão e empatia mínima da sociedade quanto à situação carcerária, seus abusos, violações e condições. Por que o Estado e a sociedade ignoram e menosprezam tanto a situação prisional?

Prisão não dá voto. Ninguém quer prisão perto de si, embora clame aos quatro ventos que quer “bandido preso”. Eis o primeiro ponto. Preciso lembrar também que, aqui fora, a população sofre com pequenos assaltos e roubos constantes, além de outros tipos de crimes, que fazem com que a sensação de insegurança se torne muito forte. Além de parte da mídia mais “popular” vaticinar o discurso sobre o “bandido” (obviamente apenas um perfil específico da grande massa de criminosos, que são os que interagem com essa mesma população), temos realmente uma sensação de impunidade (muito mais ampla e complexa que o que cito aqui) que permeia o tecido social. Temos uma visão de mundo conservadora sobre a criminalidade porque temos uma situação de fragilidade extremada da situação social que vivenciamos no Brasil inteiro. Quanto mais desigualdade mais isso é notório. Se o discurso “trabalhador” versus “bandido” já era percebido como um axioma ideológico lá no século XIX, hoje ele se torna uma verdadeira “luta de classes”, não no sentido de classe dominante versus dominada, mas no sentido de grupos ligados à cidadania ou àqueles que se colocam a parte dela. O criminoso é o subcidadão que abre mão de conquistar a cidadania prometida (e quase nunca efetivada a todos). Daí para ser visto como algo a ser eliminado, é um passo.

É notório que as prisões brasileiras não cumprem as suas funções legais e sociais previstas na lei nem as expectativas de segurança e isolamento do convívio que a sociedade espera, então, qual é a função que prisão cumpre?

A resposta está nos últimos parágrafos da obra de Michel Foucault, Vigiar e Punir: a prisão cumpre o papel de servir como fábrica reprodutora de delinquência em massa. E para que? Para que o próprio sistema funcione. Para que todo um gigantesco aparato punitivo, policial, jurídico e penal continue a funcionar e a se alimentar. Para que parcelas da população continuem a ser criminalizadas e contidas, presas e classificadas. E, finalmente, para que um gigantesco aparelho repressor exista e possa ser posto em funcionamento em casos de convulsões sociais.

A pergunta que muitos norte-riograndenses estão fazendo é como estas organizações criminosas, como o Sindicato do Crime e o PCC, surgiram e chegaram até o RN?

Eu também faço essa pergunta, apesar de ter estudado o PCC no RN. Provavelmente, num primeiro momento, o PCC surgiu com a transferência e prisão de membros da rede para o RN, ao longo da última década. As transferências foram efetivadas pelo governo de SP como forma de reduzir a força do PCC naquele estado. As prisões de membros do PCC tiveram a ver com a dinâmica de ações do PCC ao longo do Brasil inteiro, como por exemplo, o assalto ao Banco Central de Fortaleza, CE. Uma vez que esses indivíduos, possuidores de alguma liderança e capacidade organizativa, puderam construir as primeiras células da rede no RN, já entre 2008 e 2011. Já o Sindicato do Crime foi, com quase toda a certeza (como lideranças do mesmo já declararam) uma reação ao PCC e sua forma de se impor organizativamente. O Sindicato e a Família do Norte tem uma interligação quanto à origem: reagem ao PCC e tentam agregar a criminalidade ligada ao tráfico na luta contra a rede paulista.

Em seus pronunciamentos, o Governador Robinson tem dito que o motim e o massacre de Alcaçuz teriam sido uma resposta, uma retaliação aos acontecimentos no Amazonas e Roraima, que poderia ter sido em qualquer outro estado. É apenas coincidência e furtuito que tenha ocorrido no RN, inclusive com a proporção e extensão que tomou?

O fato de ter ocorrido em Alcaçuz não foi fortuito, mas condicional. A Penitenciária não apresentava mais condições estruturais desde 2015, embora, já entre 2008 e 2011 eu já tenha verificado que ela não suportaria acréscimos. Além da questão da própria planta e local da construção, o presídio estava quase que totalmente destruído. O levante apenas terminou de solapar as frágeis estruturas, além do que, a pequena quantidade de agentes e de guardas foram elementos também condicionadores. Era uma questão de tempo acontecer o que aconteceu.

Após esse período da crise de segurança em Alcaçuz, qual a sua avaliação, seu balanço da postura e das medidas tomadas até o momento pelas autoridades e o poder público do estado, inclusive com a promessa de fechamento de Alcaçuz?

Delenda est Alcaluz: Alcaçuz precisa ser destruída. Disse isso já na segunda-feira após a crise e reiterei sempre. Não apresenta nenhuma condição de encarceramento e, uma pretensa reforma seria inútil. A mesma possui tantos buracos e túneis que seria muito mais caro reformar. Melhor por baixo tudo e vender o espaço para algum grupo hoteleiro. Com o dinheiro, construir uma prisão efetiva, sem “gambiarras” de engenharia.

Necessário construir outras prisões em outros espaços, além de confluir a massa carcerária, dividida, para novas cadeias com toda a estrutura que permita: isolamento e condições de cumprimento da Lei de Execuções Penais. Sou favorável à construção de prisões médias, com no máximo 400 apenados. Melhor para controle e mesmo para manutenção. Sem contar que devem conter espaço para trabalho, estudo, etc.

O grande problema é que isso só deve começar a ocorrer lá para junho, quando o Presidio de Ceará-Mirim estiver pronto. Até lá, verificaremos a barbárie pelas câmaras de TV e pelos vídeos dos celulares.

Thadeu Brandão é Sociólogo, Mestre e Doutor em Ciências Sociais pela UFRN. Professor Adjunto de Sociologia da UFERSA e do Mestrado Acadêmico Interdisciplinar em “Cognição, Tecnologias e Instituições” (CCSAH/UFERSA). Líder do grupo de Pesquisa “Observatório da Violência do RN”. Autor de “Atrás das Grades: habitus e interação social no sistema prisional” e co-autor de “Rastros de Pólvora: Metadados 2015” e de “Observatório Potiguar 2016: Mapa da Violência do RN”.