A primeira vez que ouvi Leonard Cohen foi em 1994, na abertura do filme assassinos por natureza, de Oliver Stone. A música era Waiting for a miracle, que na época eu achava ser do cantor australiano Nick Cave – ou alguém tentando imitá-lo – dado o timbre sorumbático da voz, a ênfase do órgão, e o minimalismo da canção.
Somente, tempos depois, descobri ser Cave o “imitador”; pois era fã de Leonard Cohen, desde longa data. Assim como Bob Dylan, Martin Gore (Depeche mode), Ian McCulloch (Echo And Bunnymen), R.E.M, Pixies, U2, Sister of Mercy, John Cale, Loyd Cole e tantos outros.
Leonard Cohen é um daqueles nomes que todo metido a intelectual diz conhecer para causar impressão na “turma” e ser Cool – muito embora o metido a intelectual tenha ouvido uma ou duas músicas, e faça um ar blasé; como muitas vezes acontecia comigo em 1994, no auge de meus dezesseis anos – Entretanto, resolvi ir além. Lembro que uma vez peguei com um colega um CD emprestado, chamado Songs of Leonard Cohen. E não gostei. Achei um folk chato pra caralho!
O que talvez tenha ajudado na minha primeira (má) impressão juvenil, além do tipo de som que Leonard Cohen fazia (contrário aos meus hormônios) era a distinção do seu visual; sempre envolto em ternos, em meio a toda porra louquice a sua volta, em fins dos anos 60. “Esse cara não pode querer que eu o leve a sério”, pensava. Eu ainda não havia sido apresentado a William Burroughs…
Diferentemente do que acreditam os enólogos, não é envelhecimento do objeto em si que dão outros espectros a sua textura- nem outros aromas, a sua acidez- o que muda é o paladar do observador com o tempo. Saímos da predileção de tudo que é doce, na infância, para tons meio amargos na idade adulta. Assim é Leonard Cohen. A sua obra já nasce madura. Exemplo disso é Suzanne, faixa de abertura de seu primeiro disco ( aquele disco, que eu achei um folk chato pra caralho!)
“…Jesus era um marinheiro/Quando ele andou sobre as águas/E ele passou um longo tempo assistindo/ De sua solitária torre de madeira/E quando soube com certeza que/Apenas os homens afogados podiam enxergá-lo/ Ele disse: “Então todos os homens serão marinheiros/Até o mar libertá-los”/Mas ele mesmo estava quebrado/ Muito antes que o céu se abriu/Desamparado, quase humano/Ele se afundou atrás de sua sabedoria feito pedra/ E você quer viajar com ele/ E você quer viajar cego/E você acredita que talvez confie nele/ Pois ele tocou seu corpo perfeito/Com sua mente…”
O universo Cohen gira em temas como religiosidade, amor, pecado, perdão. Porém, todos esses caracteres assumem outros signos – muitas vezes mórbidos- como vemos hoje mais claramente nos trabalhos de grupos como os britânicos Depeche Mode e Nick Cave, que já o citaram como referência.
Foram necessários anos, até que eu tivesse a oportunidade de reencontrar Leonard Cohen. E foi como uma espécie de parábola zen, do tipo que você passa a vida inteira procurando como um tolo, o que sempre esteve ao seu lado.
Uma amiga me presenteou com um DVD (Um tributo a Leonard Cohen) gravado na Austrália em 2005 – O quinto (!), como pude descobrir tempos depois- chamado“I´m your man”, nome da faixa do disco homônimo de Cohen, lançado em 1988.
Estão lá Nick Cave (Como não poderia deixar de ser), Jarvis Coker (Vocalista do Pulp), U2, Os irmãos Wainwright( No brasil, a versão do Clássico de Coen, Hallelujah, cantada soberbamente por Rufus Wainwright – e exibida na minissérie da globo, justiça) Linda Thompson, Beth Orton, The Handsome Family, Antony.
O tributo é entrecortado por trechos de entrevistas antigas gravadas por Leonard Cohen, citação de seus poemas, desenhos, memórias e causos. (Como quando Cohen explica a criação de uma de suas canções, “Chelsea Hotel NO.2”, que fez para Janis Joplin. – Você me disse de novo que preferia homens bonitos/ Mas por mim você abriria uma exceção/E cerrando o punho para aqueles como nós/Que foram oprimidos por figuras de beleza/Você fixou-se, você disse “Bem não importa/Somos feios, mas temos a música.”) Simplesmente memorável.
A emoção e a reverência dão a tônica ao tributo, como expressa os depoimentos de The Edge e Bono, do U2. “Mesmo no preto, conseguimos perceber outras tonalidades em seu trabalho, como que colorido”. Afirma Bono Vox.
E como não se comover ao escutar (ler) os versos da música/poema o traidor?
“Agora o Cisne flutuou no rio inglês/ Ah a Rosa do Alto Romance desabrochou/ Uma mulher bronzeada pelo sol me desejou avidamente durante o verão/ E os juízes nos observaram do outro lado/ Eu disse à minha mãe “Mãe, eu devo deixá-la/ Mantenha meu quarto mas não derrube uma lágrima/ Caso o rumor de um maltrapilho chegue até você/ Fui metade minha culpa e metade e atmosfera…”
“…E os juízes disseram que você perdeu por pouco/ Levante e dê força as suas tropas para o ataque/ Os sonhadores cavalgaram contra os homens de ação/ Oh veja os homens de ação recuarem
“…Mas eu hesitei em suas coxas, um momento fatal/ Eu beijei seus lábios apesar de ainda ter sede/ Minha falsidade tinha me ferroado como um vespão/ O veneno penetrou a paralisou minha vontade própria…”
Distante da fama de mulherengo que sempre o acompanhou, Cohen, nas últimas duas décadas de sua vida, tornou-se monge budista. (Assim como Dylan, seu amigo, e ambos judeus, há uma áurea messiânica em seu trabalho)
Hoje penso, se for realmente verdade o fato Leonard Cohen, morto em 07 de novembro deste ano, ter previsto a própria morte ao enviar uma carta para sua antiga companheira, em estado terminal de câncer, Marianne Ihlen, (“… Estamos tão velhos, nossos corpos demolindo. Vou me juntar logo a você. Estou tão perto, que se você esticar a sua mão, pode tocar a minha..), então O Fim, apesar de cliché, está realmente próximo. Pois quem duvida que o futuro não seja aqui e agora? Nevasca e assassinato?
Eu precisei esperar muito tempo e “envelhecer”, para, enfim, me embriagar num dia de sol, e entender o papel do vinho na eucaristia. Sentir algumas lágrimas descendo de meus olhos – como acontece de vez em quando, quando nos sentimos mais sensíveis- e estamos bêbados.
Mas, algo me diz, que não será assim com você.
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Leonard Cohen lançou treze livros de poesias, dois romances e 14 discos de estúdio. Em 1994 parte para um retiro budista. E em 1996 foi ordenado monge budista, onde ganhou o nome na comunidade de Jikan(O silenciosos). Em 1999 voltou a morar em Los Angeles. Ganhou o prêmio Príncipe das Astúrias, em 2011 de letras .
Gíria underground que quer dizer mais ou menos um cara “descolado”
Trecho da música the future: “A nevasca, a nevasca do mundo/Cruzou o limiar/e derrubou/a ordem da alma/Quando eles disseram Arrependei-vos Arrependei-vos/Eu me pergunto o que elas significava”.