Editorial
Abrir para o diálogo e o entendimento mútuo é o mais nobre gesto democrático e político que se espera em contextos de tensão entre instituições e grupos da sociedade. No caso da ocupação na reitoria da UFRN, o Pró-Reitor de Planejamento, João Emanuel Evangelista acerta ao tentar construir um consenso mínimo com o coletivo estudantil de ocupação. Na mediação do conflito, o Pró-Reitor reconhece a pretensão de validade das demandas de justiça do coletivo e procura negociar coletivamente uma solução racional de satisfação cooperada das expectativas de todas e todos. De modo algum, tal ação comunicativa merece ser alvo de reprovação pública. Somente na cabeça de quem realmente despreza – seja por ignorância, seja por uma compreensão estreita das instituições públicas – o papel fundamental da ética discursiva na esfera democrática se espera a censura da ação comunicativa do Pró-reitor da UFRN. Instituições públicas não são organizações esvaziadas de comunicação e reduzidas apenas aos imperativos de funcionamento legal. Nem no passado, nem no presente existiu tal imagem das instituições.
Portanto, o corpo administrativo-burocrático da UFRN ao se servir do primado do agir comunicativo na mediação do conflito com o movimento de ocupação da Reitoria, ratifica na forma de prática a função civilizadora de uma universidade pública inserida num Estado democrático de direito.
No entanto, como em toda ação comunicativa bem sucedida, o diálogo entre a reitoria e o movimento estudantil de ocupação pressupõe reciprocidade no toca a revisão reflexiva dos pontos de vistas de ambos os parceiros da interação. A disposição para o diálogo e abertura para o entendimento não pode partir apenas da Pró-reitoria da UFRN. Deve haver da também parte do movimento de ocupação uma disposição para rever reflexivamente suas ações e estratégias. Não apenas no sentido de buscar o melhor para a universidade, mas para a própria concretude das reivindicações propostas e fortalecimento social da mobilização frente aos poderes que tentam deslegitimá-la. Concretamente, a interrupção das atividades administrativas na Reitoria em decorrência da ocupação podem trazer prejuízos que transcendem qualquer direito de crítica às reformas em curso pelo governo federal.
O não funcionamento adequado das atividades burocráticas podem resultar em atrasos na liberação de recursos financeiros, pagamentos de bolsas, dos salários dos professores e agentes administrativos, assim como outras demandas que envolvem diretamente o “capital humano”, o “sangue” da UFRN.
A Reitoria representa o “coração” de nossa instituição universitária e sua obstrução pode deixar sérias lesões no órgão como um todo. Essa importante compreensão do funcionamento da estrutura burocrático-administrativa da UFRN precisa entrar no horizonte de cálculo das determinações e possibilidades de ação do movimento estudantil. Não por razões “estratégicas”, mas também por sensibilidade moral com as urgências e necessidades dos todos os profissionais de compõe a comunidade universitária.
Lembrando que nenhuma causa coletiva é “obviamente” justa (efeito autorreferencial), então o movimento estudantil de ocupação precisa convencer continuamente a comunidade universitária de que sua agenda de luta não é orientada pelo interesse particular de um grupo, mas pelo bem-estar da comunidade universitária como um todo.
Além do mais, cabe ponderar os efeitos concretos da estratégia de ocupação quanto aos resultados esperados e ao apoio social pretendido. Greves e ocupações não podem ser abraçadas como estratégias inquestionáveis e irremediáveis, mesmo que os conteúdos reivindicatórios da agenda da mobilização sejam a um só tempo legítimos e justos, especialmente dentro de um contexto sociopolítico cujas correlações de força entre Estado e sociedade estão em franca mutação em favor, infelizmente, dos grupos dominantes e dirigentes. Cabe aos movimentos compreender a natureza e direção dessas mudanças, e criar e recriar estratégias capazes de enfrentar a reorganização dos poderes e, assim, imprimir formas de resistência e enfrentamento social que eles não esperam ou não possuem os mecanismos de captura e desmobilização. Partir para novas táticas de luta não significa abri mão da combatividade política mas redescrevê-la num novo quadro de lutas e forças.
A busca por legitimidade social para além dos círculos internos dos movimentos e categorias profissionais é outra frente essencial de orientação para a revitalização das estratégias de ação política. Uma mobilização política que se fecha sobre si mesma e não coloque como tarefa primordial o convencimento e suporte da sociedade está, nas atuais circunstâncias de profunda deslegitimação social das esquerdas, fadada ao fracasso. É preciso tirar a lição das últimas derrotas eleitorais das candidaturas de esquerda ou do próprio enfraquecimento do projeto político da esquerda no país, isto é, o fechamento social sobre grupos socialmente muito específicos e endogâmicos, distantes das experiências vividas e das expectativas das classes populares. É o momento de cultivar e exercitar a criatividade dos dominados e suas artes de resistência. Surpreender o poder com novas armas e táticas. É o momento de reflexividade, de reinserir a razão no coração das lutas sociais.