Especial para a Série “Da Correção Política à Censura”
Duas peças publicitárias foram recentemente denunciadas junto ao CONAR (Conselho de Autorregulamentação Publicitária): a da cerveja Devassa Negra e a do azeite Gallo, ambas por, supostamente, praticarem sexismo, racismo e preconceito de classe em sua redação. A primeira foi julgada pelo Conselho que recomendou alterações no conteúdo do anúncio. A segunda, também julgada pelo orgão, teve sua publicação vetada pela própria empresa de azeites, preocupada com a má imagem que o caso lhe rendera.
Mais importante que o efeito regulador do Conselho é a discussão que ele engendra. Por meio das redes sociais é possível verificar opiniões diversas sobre o assunto. Enquanto uns encaram o tema como uma “bobagem”, outros veem a seriedade e a importância do debate. O que está em pauta é o diálogo sobre a construção de uma nova ética da publicidade que tem como obrigação – por seu papel social de meio de comunicação de massa – prezar pela qualidade e valor social de suas peças. Neste ínterim há cada vez menos espaço para ideias que possam dar margem a interpretações de preconceito e difusão de estereótipos.
Embora possivelmente desconhecido pela maioria da população, existe um Código de Ética para profissionais de Publicidade e Propaganda, do qual se destaca esses artigos:
Art. II “O profissional da propaganda, cônscio do poder que a aplicação de sua técnica lhe põe nas mãos, compromete-se a não utilizá-la senão em campanhas que visem ao maior consumo dos bons serviços, ao progresso das boas instituições e à difusão de idéias sadias.”
Art. III “O profissional da propaganda, para atingir aqueles fins, jamais induzirá o povo ao erro; jamais lançará mão da inverdade; jamais disseminará a desonestidade e o vício.”
Nesse sentido, a preocupação de grupos e cidadãos em denunciar é totalmente legítima, pois, além de prática democrática e representativa, induz a publicidade a um novo patamar de qualidade e responsabilidade social.
Na outra ponta, o mal estar gerado pela polêmica é reflexo das atuais transformações sociais que o Brasil atravessa. Uma vez que o acesso a bens de consumo e educação são expandidos, a esfera sociocultural passa por novos olhares e intenções políticas. Isso soa desagradável para a população que nunca foi afetada, já acostumada e anestesiada com o que é tradicionalmente veiculado, muitas vezes conteúdos que sempre feriram minorias, mas socialmente aceitos.
Há quem sustente que o preconceito está nos olhos de quem vê, mas hoje em dia essa ideia tem sido cada vez mais rechaçada. A recente mobilidade social que acontece no Brasil faz surgir uma nova paisagem sociocultural a reboque de uma população cada vez mais preocupada com o preconceito velado em verde e amarelo.
Se atualmente o “politicamente correto” é tema constante – seja na mídia ou nas ruas – é sinal de um amadurecimento cultural e, neste caso em especifico, não pode ser confundido com histeria e censura, como alguns tentam alardear. Também não pode ser considerado mera “bobagem”, pois desta forma lança a luta tão difícil de determinados grupos na latrina. É desejável que se estabeleça uma relação cada vez mais criteriosa e humana com os meios de comunicação e atividades artísticas voltadas para o grande público.
Fica o alerta aos novos profissionais do ramo para que atentem sobre o novo panorama ético da Publicidade e Propaganda no Brasil, que agora está sob o crivo da própria população – alvo constantemente bombardeado pelos anunciantes. Que a força criativa de nossas agências não seja transformada em gafe, ódio e intolerância, mas sim em responsabilidade social, humana e democrática.
Entenda a Série: Da Correção Política à Censura