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Pelo direto às ruas

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Não há democracia se apenas um lado pode se manifestar no espaço público. Há pouco mais de 11 anos participei de meu primeiro protesto, tinha acabado de entrar na UFRN e segurava uma faixa em uma manifestação contra o aumento da passagem de ônibus, quando um senhor, após me xingar bastante,  avançou o carro em cima de mim, me derrubando sob o capô, ao olhar indiferente da BP Choque, que só agiu quando cercaram o carro e bateram na lataria. Na ocasião, a polícia após desferir cacetadas a esmo prendeu um jovem anarquista conhecido como Free, que estava longe da confusão, mas possuía um certo protagonismo no movimento.

Em 2011 quase tive minha câmera apreendida durante a ocupação da Câmara Municipal, após filmar uma confusão.

Depois de muito empurra empurra, e com alguma ajuda, consegui sair.

Já em 2013 senti pela primeira vez os olhos queimando e a sensação de sufocamento do gás lacrimogênio e vi pessoas muito próximas a mim serem atingidas por balas de borracha

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No início desse ano foi a vez de respirar o gás novamente.

Me refugiei no Natal Shopping, tendo que despistar os seguranças do estabelecimento que por algum motivo me seguiam, talvez por tê-los filmado fechando o portão enquanto dezenas de pessoas, incluindo idosas e crianças, tentavam se livrar do gás.

Por que narro tudo isso? Quem me conhece sabe que sou uma pessoa pacífica e em nenhum desses casos fui violento ou depredei algum patrimônio público ou privado. No entanto, sofri com a repressão, apenas por me manifestar em um espaço público, de forma pacífica, sei que isso acontece porque vivenciei. E tive sorte, conhecidos e colegas tiveram destinos bem piores.

É evidente que o direito às ruas não é para todos, não há isonomia, princípio básico da democracia, no tratamento dado pelas forças de segurança aos manifestantes, que protegem e se deixam fotografar quando a causa lhe convém, dispersam quando não. Foi assim no governo Dilma, será assim no governo Temer.

Para Hannah Arendt a condição de possibilidade da política é a pluralidade, garantindo a cada indivíduo que atua na esfera pública a possibilidade de ser único entre iguais (isonomia), não é o que acontece quando se pode levar a família em um protesto verde e amarelo e se apanha em outro com bandeiras vermelhas.

Acho o embate necessário e acredito que tanto a direita quanto a esquerda possuem um papel importante a desempenhar nos rumos do país, não acredito em um projeto hegemônico onde um lado tenta destruir o outro. Devemos buscar aquilo que os gregos chamavam agón, patrono dos jogos olímpicos, o embate que não visa a destruição do adversário, que estava presente não apenas nos eventos esportivos, mas na política, no discurso, na ação, no pensamento.

Quando um lado é privado das ruas todos perdem, quando um espectro político busca a hegemonia, seja à direita, seja à esquerda, todos perdem.  Quando pessoas são espancadas e atingidas por se manifestarem em um espaço público perdem elas e todos aqueles que permanecem indiferentes.

https://www.youtube.com/watch?v=v1IjDwri88g

Quando a possibilidade de convivência é substituída pela força, a primeira vítima é a democracia.