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Portugal não me surpreendeu

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imageHoje me perguntaram o que Portugal fez para surpreender e tornar-se campeão da Europa, mesmo depois de tantos empates – foram seis empates e apenas uma vitória na competição. Muitas pessoas não entendem, outras não aceitam, que o futebol bonito da França tenha sido inferior a uma equipe que mal vence as partidas no tempo normal.

Escrevi sobre isso dias atrás. Comparei o futebol europeu ao carnaval nesses belos trópicos latinos. Está mudando, mas historicamente o padrão de jogo latino é o nosso carnaval das ladeiras das ruas coloridas e alegres de Olinda. É irreverente, ousado, imprevisível. Nele, predomina o talento do frevo vassourinhas.

Já o padrão europeu é o desfile simétrico, cronometrado e coreografado das escolas de samba do carnaval carioca. Possui maior qualidade, disciplina e nível técnico pela presença maciça dos melhores jogadores de todas as partes do mundo, mas com muito pudor e medo de errar, joga muito mais explorando o erro do adversário, o que inibe, na maioria das vezes, a ousadia. É, na realidade, uma festa bonita, ensaiada aos mínimos detalhes, para que tudo saia conforme planejado.

O maior problema é que no Brasil, acostumado ao estilo de jogo em que predomina o talento do frevo vassourinhas, existe ainda um grande número de pessoas que não compreendem com clareza as mudanças do futebol. Em épocas passadas, o futebol mais bonito do mundo era o brasileiro, traduzido por Eduardo Galeano, como “feito de jogo de cintura, ondulações de corpo e voos de pernas que vinham da capoeira, dança guerreira dos escravos negros”. Hoje o talento é quase sempre sobreposto pelo futebol de ângulos retos, pensado e estudado nos seus mínimos detalhes.

A seleção portuguesa não me surpreendeu, pois não apresentou nada mais além do que a tendência moderna propõe. Jogar fechado, organizado na defesa, compacto, diminuindo os espaços entre os setores, com transições rápidas e precisas, explorando os erros do oponente. Simples e complexo ao mesmo tempo, mas nunca surpreendente e impossível de acontecer.

Tostão escreveu, inclusive, com sua imensa sabedoria, que “a França, por ter um time superior, por jogar em casa e pela Marselhesa, era a favorita, mas não seria uma grande surpresa se Portugal conquistasse a Eurocopa, por ter Cristiano Ronaldo e um sólido sistema defensivo”.

Não há segredo na conquista portuguesa. O título lusitano pode ter sido surpresa para a grande maioria, mas para quem acompanha as tendências do jogo, não há de ser. Em treze partidas, desde 2014, a seleção portuguesa nunca perdeu sob a batuta do treinador Fernando Santos. Portugal, simplesmente, cumpriu à risca o futebol dito de resultados, coletivo, em que as equipes, cada vez mais, se assemelham na maneira de atuar. O time comandado por Cristiano Ronaldo joga o futebol moderno. Compacto, disciplinado e equilibrado.

A grande sacada dos nossos colonizadores foi entender que eles estão, ainda, muito longe de serem os melhores. O próprio treinador assumiu. “Entramos sabendo que não éramos os melhores do mundo, mas também que para nenhum adversário é fácil ganhar de Portugal. Estudamos bem os adversários para não sermos surpreendidos e conseguimos contê-los”.

Essa é a essência do futebol do século XXI. Um estilo de jogo oposto ao que se viu no mundo por muito tempo, em que se prefere o resultado ao prazer de jogar. Defendem, os pragmáticos da bola, que o resultado traz a vitória e vencer provoca prazer.

Portugal venceu, foi campeão, mas poderia sim, muito bem, ter sido a França a triunfar. Imagino ter sido esta a frase dita pelo garoto português ao jovem francês que chorava em prantos no largo da Torre Eiffel, em Paris, ao apito final do juiz: “Hoje fui eu, amanhã pode ser você”.