Karol me contou. Alguém, ao término da partida entre Alemanha e Itália, pelas Oitavas-de-final da Eurocopa, sussurrou que não entendia o motivo pelo qual os alemães ganharam dos italianos. Na sua opinião, a Itália, dos maiores amantes do futebol, é melhor. De pronto, brutal, à maneira Boechatiana, outro camarada atento respondeu. “É por isso que tem jogo né?! Se fosse pra decidir pela sua opinião, era feito um plebiscito”.
Tenho minhas ressalvas sobre o caso narrado acima. Assisti ao jogo, torci pela Itália, mas não a considero superior a Alemanha de Manuel Neuer, Bastian Schweinsteiger e Thomas Müller. É como definiu brilhantemente o meio-campista italiano Alessandro Florenzi. “Enfrentar a seleção alemã é como escalar o Everest, subir a montanha mais alta do planeta, para fazer história”. Não é nada fácil ganhar da friagem alemã, não à toa, são os atuais campeões mundiais.
Aliás, aproveitando o ensejo, o fato é que boa parte das disputas no futebol do velho continente, principalmente entre seleções, onde a coincidência da naturalidade se sobressai sobre a interferência muitas vezes injusta do mercado financeiro, prevalece o equilíbrio.
Comparo o futebol europeu ao carnaval nesses belos trópicos latinos. Está mundando, mas historicamente o padrão de jogo latino é o nosso carnaval das ladeiras das ruas coloridas e alegres de Olinda. É irreverente, ousado, imprevisível. Nele, predomina o talento do frevo vassourinhas.
Já o padrão europeu é, sem medo de errar, o desfile simétrico, cronometrado e coreografado das escolas de samba do carnaval carioca. Possui maior qualidade, disciplina e nível técnico pela presença maciça dos melhores jogadores de todas as partes do mundo, mas com muito pudor e medo de errar, joga muito mais explorando o erro do adversário, o que inibe, na maioria das vezes, a ousadia. É, na realidade, uma festa bonita, ensaiada aos mínimos detalhes, para que tudo saia conforme planejado.
Mas voltando ao assunto do início do texto, entendo que os melhores momentos do futebol são aqueles que não são ensaiados, que não dependem da tática do jogo. É a justificativa para aquela velha máxima, inventada pelo comentarista Benjamim Wright, pai do ex-árbitro José Roberto Wright, que todo mundo que gosta de futebol já conhece, e diz que o futebol é mesmo uma caixinha de surpresas.
Nem sempre o melhor será o vencedor. São os momentos inesperados, bastante discutidos por Tostão em suas crônicas que não canso de ler – e na maioria das vezes concordar. O baixinho que encantava no time de Pelé, tricampeão do mundo, escreveu que “não é sorte, nem mistério, nem milagre. O futebol é um jogo de estratégias, de técnica e de mal-entendidos”.
Outras modalidades esportivas por exemplo, apesar de possuírem também o papel de mobilização social, não apresentam as mesmas características do futebol. No vôlei, quase nunca há possibilidades de reviravoltas. Tanto que o Brasil de Bernardinho manteve uma hegemonia de anos mundialmente. O melhor sempre vence. No basquete, a não ser que seja uma partida muito equilibrada, são raros os jogos em que o inesperado age em detrimento da qualidade técnica e tática. Uma cesta dificilmente decidirá um jogo.
As melhores vitórias são as inesperadas. E o futebol é assim. Talvez por isso ele seja a modalidade preferida de 80% da população mundial. Karol, agora você já pode contar aos seus amigos. Não precisa do referendo do povo. Não tem a ver com plebiscitos, mas sim com o imprevisível, o inesperado, o improviso, o subjetivo, o não explicável e o mal-entendido. Enfim, com tudo aquilo que fez desse esporte o maior fenômeno de mobilização da história da humanidade.