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A vingança política dos moribundos

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Na política, às vezes, os candidatos falam mais do que escutam as demandas subjetivas de seu eleitorado.

O resultado do plebiscito no Reino Unido e o fraco desempenho do Podemos nas eleições gerais da Espanha hoje apontam um sério problema de leitura e comunicação da esquerda europeia. Não é um problema exclusivo da esquerda, mas também dos partidos liberais. Depois de uma leitura de Norbert Elias, sociólogo alemão, a respeito da emergência do nacionalismo germânico, tenho a impressão que a nova esquerda tem se preocupado em falar demais sobre um futuro aberto de possibilidades, e negligenciado o fato que talvez o eleitorado, especialmente sua fração mais velha, esteja cultivando na verdade uma expectativa de retorno de um passado de dignidade material que vivenciou no período da chamada “Era de Ouro” do capitalismo.

Distribuição etária dos votos "sim" e "não"
Distribuição etária dos votos “sim” e “não” Reino Unido

Nem o neoliberalismo, nem a nova esquerda estão problematizando isso. Já sabemos que a narrativa de autorrealização articulada pelos arautos das políticas de Estado mínimo não alcança a maior parcela do eleitorado mais velho. Essa geração conhece bem desde a década de 1980 os efeitos corrosivos das transformações na organização da empresa e das relações de trabalho. Pois foi diretamente afetada pela nova realidade de erosão do modo de organização fordista. Por isso, é possível que a população afetada pela nova configuração do capitalismo flexível deseje o retorno de um Estado Interventor Forte. Pois o Estado Nacional forte foi o horizonte mais próximo da memória de bem-estar dessas pessoas. Talvez por isso, somente os grupos nacionalistas da nova direita (jogando com a velha imagem de resgate de uma tradição “heroica”) têm se comunicado bem com as expectativas subjetivas da população mais velha.

idosos_portugal84784Infelizmente, a esquerda abandonou muito rapidamente o ideal de Bem-Estar Social, desconsiderando que esse ideal moral – se considerarmos o contexto de elevadas taxas de precariedade material das condições de vida das classes trabalhadoras europeias provocada pelo terceiro espírito do capitalismo – talvez seja o bem de “avaliação forte” da geração mais velha das camadas populares.

Nas gerações mais jovens, sem dúvida, podemos apostar em outros ideais de boa vida. Mas e as gerações mais velhas que vivem atualmente o mal-estar da “inutilidade” em um mundo pós-fordista? Quais são as promessas de justiça da nova esquerda para essa geração mais velha? Quais são as promessas de justiça dos neoliberais para essa mesma geração mais velha? Sejamos realistas, a direita nacionalista tem um discurso afiado para essa geração desamparada. Mas seria a narrativa da nova direita também uma promessa ilusória? É possível, mas resgatando Elias, o que essa geração aspira é um horizonte futuro plausível de significado. E nesse caso, uma narrativa de retorno do passado glorioso pode ser bastante eficaz.

Fica o aprendizado para a esquerda brasileira: somos apaixonados pelas palavras da juventude e acabamos esquecendo as frustrações de uma velhice desencantada. É preciso articular uma promessa que pareça razoável também para os mais velhos. A narrativa do “novo” pode ganhar as mentes e corações da juventude, mas não satisfaz rapidamente a população mais velha. Para essa população mais velha, a compreensão do “novo” talvez seja o retorno ao velho “bom” momento do passado. E dada a atual configuração demográfica e etária no mundo, não é um eleitorado que se despreze.