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Olimpíadas e o carnaval do esporte

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imageEnquanto milhares de pessoas festejam a passagem da tocha olímpica por nossa cidade Natal, eu lamento profundamente que políticos da Grécia tenham passado por cima de sua própria Constituição para fazer as Olimpíadas de 2004 em Atenas.

Enquanto as pessoas se vestem de verde e amarelo para ver a tocha passar, eu me lembro dos quarenta gregos trabalhadores da construção civil que morreram em acidentes de trabalho enquanto construíam as instalações olímpicas com parafusos frouxos, contra tudo e contra o tempo, com a justificativa de tornar Atenas habitável para o mundo olímpico.

Enquanto vocês se aglomeram nas esquinas da Cidade Alta, tomo conhecimento dos inúmeros moradores de rua, viciados em drogas e doente mentais que o governo grego prendeu às pressas em hospitais psiquiátricos para limpar, literalmente, a cidade.

Quando os organizadores anunciam que os custos do Revezamento da Tocha foram financiados com dinheiro de patrocinadores, eu recordo que na Grécia, o orçamento para realização das Olimpíadas era de 1,3 bilhão de dólares e que, ao fim do evento, esse valor saltou para 14,2 bilhões de dólares e mais um punhado de suor e sangue de inocentes afetados por uma ilusão.

Lembro e lamento com pesar dos quase 2 milhões de chineses expulsos de suas casas para dar lugar às instalações olímpicas de Pequim 2008 e por aqueles 42 milhões de dólares gastos nos jogos não terem servido, mesmo que minimamente, para reduzir o sofrimento dos moradores de Sichuan, devastada por um terremoto dias antes dos Jogos.

Enquanto a televisão joga flores na tradicional maratona da tocha olímpica, idealizada pela primeira vez nas Olimpíadas da Alemanha em 1936, pelo governo nazista, com intuito obscuro de difundir a ideologia doentia e ariana de Adolf Hitler, eu sinto pelos desrespeitos aos direitos humanos na China Olímpica. Pelos abusos do governo, pelos despejos forçados, pela perseguição aos críticos e pela violação aos direitos de liberdade de expressão e de imprensa.

O que presenciei neste sábado, dia 4 de junho de 2016, percorrendo as ruas da minha querida cidade Natal, da Fortaleza dos Reis Magos, das ruas da velha, abandonada e deteriorada Ribeira, das ladeiras da Cidade Alta e dos cruzamentos de Ponta Negra, foi a realização de um evento esplendidamente bonito, estruturado, organizado e controlado (quase militar), que força aos meios de comunicação a agirem quase como canais de propaganda do espírito feliz das Olimpíadas.

Mas que bom que ainda há espaço para o outro lado da notícia. O lado da bandinha de carnaval e sua fanfarra de reivindicação contra o não pagamento por parte da Prefeitura. Dos vários manifestantes com faixas e cartazes de “Fora Temer” no cruzamento da feirinha de Ponta Negra e do senhor com uma tocha gigante, correndo ao lado da original, com dizeres fazendo referências aos últimos, e não poucos, casos de corrupção descobertos no país.

Eu sei que a grande maioria dos meios de comunicação fazem o possível para não discutir questões que possam estragar a grande festa olímpica, mas se ninguém falar, os próximos, incluindo o Brasil, irão passar pelo mesmo e pagar preços altos por isso.

A festa é bonita, mas tem um preço incalculável. Um preço jorrado por sangue e suor. Por trás do espírito olímpico e unidade de nações, há também um interesse político e econômico, que visa atrair negócios ao custo dos desrespeitos aos direitos humanos e as liberdades civis mais básicas.

Como escreveu o jornalista americano Dave Zirin, “todos os eventos esportivos internacionais tendem a agir como Cavalos de Tróia neoliberais, devorando nosso amor por esportes para impingir uma série de políticas que em qualquer outra situação seriam categoricamente rejeitadas”.

Os significados de fraternidade e de união das nações propagados pelo espírito olímpico podem até ser legítimos, mas na prática os jogos olímpicos da era moderna passam quilômetros e quilômetros longe de torná-los verdadeiros e reais.

Na realidade, as Olimpíadas não passam de um carnaval do esporte que atropela, sem pena e sem dó, os direitos básicos das populações menos favorecidas.

Menos mal que, por aqui, por essa Terra do Elefante, a tocha esteja apenas de passagem.