Tem que começar com uma afirmação forte, lembra? A primeira linha de uma boa crônica é uma afirmação forte – que pode ser negada ou reafirmada ao longo do desenvolvimento, que a propósito, é o segundo parágrafo. Muito bem.
Técnicas em mãos? Vamos escrever! Sim, agora sim, você vai escrever agora sim e isso independe disso aqui ser uma folha de papel higiênico, independe da sua embriaguez vergonhosa em plena terça-feira, independe da vontade de deitar, dormir e não fazer nada do que tem vontade de fato. É dia de texto novo e você tá atrasada, desse jeito o pagamento vai ser descontado e pelo que eu sei da nossa conta bancária, minha querida, não estamos em condições de aceitar redução de salário. Vamo, pensa qualquer merda aí e escreve!
Ah, sei lá Alice, inventa qualquer coisa e para de perguntar se eu tenho tema. Se eu não tenho tema você também não tem tema, sua insana, eu sou você, esqueceu? A gente tá junta nessa fossa – de novo.
Não, aí não é a privada, aí é a janela.
Volta, bebe água, presta atenção: aí não é a privada, é a janela. Cuidado pra não confundir de novo ou você vai terminar vomitando nas bromélias da Dona-Yêda-do-quinto-andar e pulando de peito aberto no azulejo do banheiro da sua amiga. Aliás, que gentileza a dela emprestar o apê pra você encher a cara e escrever, hein? Compra uma caixa de cerveja e guarda na geladeira pra agradecer, não tá fácil pra ninguém.
Não, poesia não é crônica. Não tô nem aí que você quer escrever poesia num guardanapo e publicar no jornal pra ficar poético: poesia não é crônica, faça o que é estritamente pedido no seu trabalho, garota. Qual a dificuldade em ser imparcial na escrita se sua vida amorosa tá uma completa confusão? Não, não vai “aproveitar que tocamos no assunto” e nem vai “matar dois coelhos com uma cajadada só”, hoje não tem romantismo nessa coluna. Se quiser falar de amor, fale com o Marcinho.
Escreve sobre o governo do Michel Temer. É, isso, tá ótimo, fala do Michel Temer que você já tem chamado o governo de “golperno” há semanas, uma vez a mais, uma vez a menos, não vai fazer diferença, os leitores não vão nem notar. Não é oportunismo pra ganhar likes não! Para com isso! Se tá na mídia, tá na mídia, então escreve. Isso é seu trabalho, anda, faz.
Como assim “os negros cabelos do Michel Temer”? Que palhaçada é essa de “saudades dos seus olhos, querido presidente”? Meu Deus, estamos pior do que eu pensava. Não, joga isso fora. Se você me publica uma porcaria dessas o pessoal do OcupaMinC te vira a mão na cara, não faz isso. Esquece, amassa e pega outro rolo de papel higiênico no banheiro, rápido! Lembra como anda ainda, né? Um pé na frente e depois o outro. Esquerdo, direito, esquerdo, direito…
Olha só como é louca, esbarrando em tudo!!!
Cuidado, caralho, essa televisão vale mais que a sua vida! Não, Alice, você não pode “ver Netflix só um pouquinho”. Não pode também aquele “vídeo no Youtube do gatinho”, não pode! Encara de frente, tá bem? Então muito bem: esquerdo, direito, esquerdo, direito.
Puta que pariu, vomitou nas Bromélias!!!
Alice, tá ficando sem graça escrever sobre suas ressacas amorosas. Meu amor, são sempre as mesmas histórias envolvendo vômito, ninguém aguenta mais. Não dá pra ter dor de cotovelo de um jeito menos melequento? Se a ANVISA resolver ler seus escritos tenho certeza que lhe interditam! Vão lhe chamar de sebosa na rua, cê sabe né? Todo mundo acha que escritor só escreve sobre a própria vida, um absurdo, um absurdo, um absurdo… Sendo que no nosso caso, termina que é isso mesmo, mas você se entendeu, não entendeu?
Não, você não é uma péssima artista. Todo mundo é inconstante, você não precisa ficar triste por isso. Engole esse monte de lamentação e agradece pela oportunidade de sentir alguma coisa, não há nada pior nessa vida do que não ter do que lamentar, não há nada na vida pior do que não haver – só esses trocadilhos péssimos de hippie-tilelê.
Calma, não chora, não se cobra, tira um tempo pra você. É, faz isso, tira um tempo pra você. Não, imagina, deixa que eu falo com o pessoal da Carta, eles vão entender. Tira um tempo pra você!
Esquece o cheque especial, esquece tanto trabalho, desliga os dados móveis: você tem é que desacelerar. Isso, muito bem. Tá tudo bem? Então tá tudo certo. Deita quietinha aí mesmo, esquece também que esse é o vaso sanitário e abraça como se fosse um travesseiro, abraça a bad como se fosse um travesseiro. Encaixa na conchinha, segura a própria mão e dorme um pouco no chão do banheiro.
Uhum, é, eu sei, isso aqui deve dar uma crônica sim, mas quando você acordar não vai nem se lembrar – se Deus quiser.
Vai passar. Sempre passa. Num é? É. Né isso? É nunca.
Ufa, dormiu.