Fecharam os bares, as escolas, a banca de revistas (ninguém mais compra revistas, no máximo vai à banca de revistas comprar cigarros, só que há cada vez menos gente comprando cigarro), a quitanda, o banco, também a loja de móveis (também nunca entendi ter tanta loja de móveis na cidade, não sabia que as pessoas mobiliavam tanto suas casas). Fecharam os restaurantes também (hoje em dia ninguém mais vai a restaurantes porque tem medo de assaltos, e só pede comida em casa, com o motoqueiro passando por revista na portaria espelhada no condomínio). Fecharam tudo. Agora só existem farmácias.
A cidade tem mais farmácia a cada semana, e as farmácias nunca fecham. É difícil ver farmácia fechar, falir. E tanta farmácia nova assim, o tempo inteiro, uma mais iluminada que a outra. Dia desses passei em frente a uma que pensei que era um shopping novo. Outro dia me assustei e quase desliguei o farol do carro, passando na frente, por causa das luzes. A farmácia bombando: muita gente lá, sempre tem muita gente nas farmácias.
Todo mundo com as receitas azuizinhas na mão, esperando sua vez escoradas no balcão. Apesar de ter muita farmácia, e de ter muita gente na farmácia, nunca tem fila certa na farmácia. Até porque é difícil fazer fila: quase todo mundo lá dentro tem tanta idade, tanta receita azul, tanto antibiótico e vitamina pra comprar. Todo mundo doente demais.
Mais farmácia.
Tenho encontrado mais amigos em farmácias que no bar, na universidade, e nas livrarias – que quase não existem mais. Tenho certeza que meus pais encontram ainda mais gente lá dentro, quando vão.
Acho que em dez anos a cidade quase não vai ter bar nem cinema nem restaurante nem café. Vai ser só o que for de supermercado, padaria (que serão megastore de trigo) e farmácia. Ainda mais farmácia.
E a gente vai seguir na rua achando isso normal, eu, tu e a fila de gentes com as receitas azuis, brancas, amarelas, e os remédios caros-e-milagrosos dispostos em vitrine para todos.