Homero de Oliveira Costa – professor do Dep. de Ciências Sociais da UFRN
Vivemos hoje no Brasil um momento de acirramento da luta de classes, no qual as classes dominantes brasileiras se somam a onda conservadora que paira sobre o continente, na nova fase do capitalismo neoliberal. É um momento delicado da nossa frágil e vilipendiada democracia, conquistada após longa e brutal ditadura militar. Um golpe está em marcha, com o apoio entusiasta de setores da mídia e do judiciário. São ameaças à democracia, aos direitos políticos, sociais e trabalhistas, de ofensiva politica da direita, em um ambiente envenenado de ódio, ressentimento e intolerância dos derrotados de 2014. A meu ver, há dois aspectos fundamentais: primeiro é a sistemática violação do Estado de Direito, com atos juridicamente questionáveis por parte de quem deveria respeitar a Constituição.
O que se espera de um Poder Judiciário é equilíbrio e isenção, e não partidarização e decisões com fins claramente políticos e me parece que os desdobramentos dessa operação Lava Jato tem mostrado como ela tem operado arbitrariamente (e sido denunciado por muitos juristas), como, entre outros exemplos, a não observância do princípio da presunção de inocência, do devido processo legal e do direito à ampla defesa que deve ser parte constitutiva do sistema de Justiça. Age-se de forma ilegal, em nome do Estado de Direito… Nesses episódios recentes envolvendo o governo, não tem havido imparcialidade, ou seja, não se segue o preceito fundamental e democrático da isonomia. Há uma conduta claramente parcial e com fins políticos. E um dos heróis daqueles que querem o fim antecipado do governo, é o juiz Sérgio Moro.
Vladimir Saflate no artigo “O suicídio da lava Jato” ao se referir a uma decisão de publicizar os áudios de escutas telefônicas (repetidos à exaustão pela mídia conservadora e golpista) afirma que ele “conseguiu o inacreditável: tornar-se tão indefensável quanto aquele que ele procura julgar. Contrariamente ao que muito defenderam nos últimos dias, suas últimas ações são simplesmente uma afronta a qualquer ideia mínima de Estado democrático. Não se luta contra bandidos utilizando atos de banditismo. A divulgação das conversas de Lula com seu advogado constitui uma quebra de sigilo e um crime grave em qualquer parte do mundo. Não há absolutamente nada que justifique o desrespeito à inviolabilidade da comunicação entre cliente e advogado, independente de quem seja o cliente. Ainda mais absurda é a divulgação de um grampo envolvendo a presidente da República por um juiz de primeira instância tendo em vista simplesmente o acirramento de uma crise política”.
No artigo “A marcha da insensatez do juiz Sergio Moro”, Wadih Damous afirma que ao conduzir de forma midiática e espetacularizada essa operação, a tônica de sua atuação não é o processo penal, mas sim a ilação, a conjectura sórdida que estimula ao permitir criminosos vazamentos seletivos de documentos que deveriam ser resguardados como manda a lei. E que ele “como um déspota ou justiceiro da modernidade, tenta, também, desestabilizar os poderes constituídos, incitar a população ao ódio político em um momento em que o Brasil precisa justamente de serenidade”. Para ele a delação, perversão ética introduzida no sistema de justiça criminal, é utilizada como prova irrefutável, e não como ponto de partida de uma investigação, apenas para satisfazer a ânsia jornalística tendenciosa e para “fundamentar” o arbítrio de buscas e apreensões, conduções coercitivas e prisões”. Há muitos interesses por trás dessa crise.
Como afirma Armando Boito Jr, o que está em jogo é a hegemonia no bloco do poder do grande capital internacional e da fração da burguesia brasileira integrada a esse capital (“A natureza da crise politica”) e que tem aliados políticos poderosos, entre eles, a mídia hegemônica. Dai a importância da construção de uma frente ampla e democrática para enfrentar a crise e os golpistas.Não se trata de uma defesa incondicional do governo de Dilma e nem de Lula, mas a defesa da democracia e do Estado de Direito. Como mostra Hannah Arendt em “as origens do totalitarismo”: são com violações sistemáticas ao Estado de Direito que vai se pavimentando o caminho para a ditadura.