Por Homero de Oliveira Costa – prof. Dep. de Ciências Sociais da UFRN
No dia 3 de março de 2016, o Senado aprovou a criação de uma comissão especial para debater a implementação de um sistema de governo alternativo como tentativa de resolver a crise que paralisa o país, mantida ou não a presidente Dilma Rousseff e seus imprevisíveis desdobramentos. Para seus articuladores – todos de oposição – a ideia é apresentar um projeto de um modelo similar ao que existe em Portugal e na França, ou seja, um semipresidencialismo, no qual o presidente continuará a ser eleito por voto popular e terá mais poderes do que num regime parlamentarista puro e menos poderes do que no presidencialismo. Como justificativa, pretende-se é assegurar um modelo em que os problemas típicos do presidencialismo de coalizão sejam amortizados com a experimentação de um novo arranjo, que permita a resolução das principais fontes de instabilidade política dos governos. Tal proposta deverá ser submetida a um referendo.
A proposta não é nova. Em dezembro de 2015, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) havia defendido a adoção de um semipresidencialismo, considerando o atual modelo (presidencialismo de coalizão) como “esgotado”. Para ele o modelo pretendido aumentará “a participação e o controle do povo sobre as decisões tomadas nas altas esferas do governo federal” e foi apresentado como “um remédio contra a paralisia das instituições em momentos de crise e estimulador da governabilidade”. Não se trata, portanto, de um paliativo, mas “de um verdadeiro aprimoramento para a democracia brasileira e uma solução para o Brasil superar crises econômicas, políticas e, sobretudo éticas que assolam a nação”. Ele explicou que a ideia é apresentar ao Congresso Nacional uma Emenda à Constituição que implante a medida, para posteriormente ser remetida a referendo popular. A proposta incluiu ainda, a instituição do voto distrital misto, defendida pela OAB em sua proposta de reforma política.
O que é, afinal, o semipresidencialismo? Em princípio, ele reúne características importantes dos sistemas presidencialistas e parlamentaristas. Nele, o presidente da República é eleito e exerce as funções da mesma maneira como ocorre no sistema atual. Só pode ser derrubado por um impeachment ou golpe de Estado. Uma novidade é que o primeiro-ministro, nomeado pelo presidente com aval do Legislativo, passará, de fato, a governar Caso os rumos do governo não estejam de acordo com o que a maioria o Congresso, poderá destituir o gabinete constituído, obrigando o presidente a nomear um novo primeiro-ministro que, por sua vez, escolherá novos ministros.
Um dos primeiros e mais consistentes estudos sobre o semipresidencialismo é do cientista político Maurice Duverger no livro “Échec au roi” (publicado em português com o titulo “Xeque Mate: uma análise comparativa dos regimes semipresidencialistas”, Editora Rolim, 1979). Quando o livro foi publicado havia sete países que o adotavam, com muitas diferenças entre eles: Finlândia, Islândia, Irlanda, Áustria, Alemanha de Weimar, Portugal e França. As principais diferenças são as atribuições do presidente. Elas não são sempre as mesmas em todos os países. O que há de comum são as eleições diretas para presidente, mas a chefia do governo cabe ao primeiro-ministro. O seu diferencial é que o chefe de Estado – ou seja, o presidente – não tem função meramente decorativa, como ocorre em muitos sistemas parlamentaristas, em especial os monárquicos. Ambos possuem funções muito importantes e complementares. Cabe ao presidente, por exemplo, cuidar da política externa do país, chefiar as forças armadas, nomear funcionários e vetar leis e também nomeia o primeiro-ministro (e também a possibilidade de demiti-lo, ou seja, o presidente tem o poder de dissolver o parlamento), da mesma forma que, como no parlamentarismo o parlamento pode derrubar o primeiro-ministro.
Embora outros países o adotem, os que têm sido citados com mais frequência são Portugal e França. No entanto, não são iguais. Na França, a sua adoção teve o general De Gaulle como figura central, como analisa Duverger. Em 1958 foi promulgada uma Constituição e tinha por objetivo garantir a estabilidade política, pondo fim ao parlamentarismo “absoluto”, gerador de instabilidades políticas e adotou-se um sistema hibrido que tinha claramente o objetivo de conceder mais poderes a De Gaulle. Nesse sistema, o presidente passou a comandar as Forças Armadas, a política externa e o poder de dissolver a Assembleia Nacional, que não existe em nenhum sistema presidencialista ou parlamentarista, ou seja, o chefe de Estado se encontra no centro do poder político. No caso de Portugal, foi resultado da Revolução dos Cravos (25 de abril de 1974), portanto, de adoção mais recente. Como se sabe, por mais de 30 anos, entre os anos 1930 e 1960, Portugal viveu sob uma ditadura, comandado por Antônio de Oliveira Salazar. O objetivo da nova Constituição (1976) era o de impedir que presidentes tivessem uma grande concentração de poderes, como Salazar. De semelhanças com a França, eleição direta para presidente e uma série de atribuições especiais para o presidente (dissolver o Legislativo, nomear o primeiro-ministro, poder de veto sobre leis etc.). No entanto, o presidente não exerce tantas funções executivas quanto no caso da França, além do fato de Portugal ter um sistema unicameral (ou seja, não há senado). Outra particularidade é a natureza do mandato do Presidente. Na França há um caráter claramente partidário, ou seja, o presidente apresenta-se associado a uma coligação partidária, como principal referência. Em Portugal, apesar de ser filiado a determinado partido, ao ser eleito, abnega de qualquer compromisso partidário especifico de modo a não alimentar ou participar num possível confronto entre o Governo e a oposição, ou seja, uma intervenção tanto quanto possível acima dos conflitos interpartidários.
A questão que se coloca hoje é: a sua adoção no Brasil hoje será mesmo “uma saída honrosa” para a crise? A intenção é a de resolver a crise ou diminuir os poderes da presidente? E mais, qual será o modelo que se pretende que seja adotado? (ao que parece ainda não foi formulado de forma precisa e sim uma defesa genérica do “semipresidencialismo”) e qual a possibilidade de ser aprovada uma Emenda Constitucional no Congresso e a realização de um referendo sobre o tema? A meu ver, muito remota. Mas colocar o tema para debate pode ter aspectos positivos, como a de pensar alternativas de solução para a crise política, mas a adoção de uma semipresidencialismo não me parece ser a solução mais viável.