O que te faz correr, nem sempre é o mesmo que me faz. A bem da verdade, corremos por ideais e motivos diferentes e por causas e consequências das mais distintas possíveis.
Tem gente que corre atrás da mulher amada. Tem – muita gente – que corre da polícia, da justiça ou até mesmo da palavra honestidade. Tem aquele chato profissional que te enche o saco no trabalho ou até mesmo nas mídias sociais da vida. Digo isso porque tive de bloquear, dia desses, um chato de Whaths App, talvez uma nova modalidade desse mundo moderno e tecnológico.
Mas prossigamos. Há também a corrida cronometrada de um doente terminal pela vida e a corrida frenética do dia a dia, contra o tempo, desse mundo ingrato, capitalista e globalizado. Tem também, nem me lembre, a temida corrida contra a velhice. Para todos. Inevitavelmente pragmática e definida pelo ciclo natural da vida. E existem aqueles, maioria imensa nesse país desigual, que lutam dia a dia, segundo a segundo, na correria rotineira da busca pelo pão de cada dia. Esses sim, correm e merecem medalhas de todos os méritos possíveis.
Mas a corrida que me refiro nessa crônica é a definida como o ato de se deslocar de um lugar a outro de forma rápida, ligeira, a passos firmes e largos. É a corrida como atividade esportiva e competitiva ou como prática para manutenção da saúde. Essa última, a que eu tenho praticado semanalmente, nos últimos anos, em pequenas doses, por apenas dois motivos: manter a forma física e o equilíbrio mental em dia. Confesso que, quando não corro, me sinto gordo – mesmo sem estar.
Mas há quem o faça pelo prazer de treinar, pra confraternizar com amigos ou por superação. Muitos falam na sensação de liberdade, de superar o desafio, por saber que podem mais e que podem provar que conseguem. Outros relatam que correr os faz deixar os problemas e estresses diários para trás. Tem gente que corre por vaidade, em busca do corpo dos seus sonhos. E tem aquele que é profissional-atleta-competidor. Os famosos, que correm sempre visando o pódio e a linha de chegada.
Eu, já disse, corro para conseguir equilibrar a mente e o corpo. Me deixa mais leve, me faz feliz. Não sou, ainda, um viciado. Mas sei, é um vício do bem. É como os vícios da bibliomania, a mania de comprar e acumular livros (desse eu sofro), a coreomania, a mania de dançar, e a enomania, que é a mania por vinhos.
Lendo o livro de crônicas de Kinha Costa, África do Sul: um olhar brasileiro, me deparei com o motivo curioso da autora para correr: “tudo começou porque a minha cama andava muito pouco atraente”. Kinha correu da cama para as ruas. Botou as frustrações pra correr e tornou-se uma escritora-maratonista de muito sucesso.
Ainda sobre o assunto, Kinha relata o motivo pelo qual uma amiga sul-africana iniciou-se na prática maratonista: “…durante a missa dominical ela comentou alguma coisa com o marido. Esse, muito compenetrado nas palavras do Santo Padre a dissertar sobre o Evangelho de São Marcos, mandou-a calar-se pondo o dedo indicador contra os lábios. No final da cerimônia, ela ofendida com a forma de ser tratada, achou infantilóide, discutiu, ficou bicuda e resolveu voltar pra casa a pé, dispensando o conforto do carro e a companhia dos seus. No seu dia de azar, ao sair da igreja, começou a cair uma chuva fininha que engrossou e virou toró. Conquistando os quilômetros rumo a casa debaixo da chuva grossa, acelerou as passadas para cruzar a linha de chegada antes das quatro rodas. Mas, qual nada! O carro há esperava na esquina, há um quarteirão de casa. Foi então que o marido se chegou e falou: descobri o que você gosta de fazer quando está chateada. Tem gente que come, tem gente que dorme, tem gente que surfa e tem gente que corre! Ele acertou. Ela passou a correr pra valer, mas quando aparece nas competições tem sempre um gaiato perguntando se ela brigou em casa”.
Pois bem, o que te faz correr não o mesmo que me faz. Correr faz bem para o corpo, para a mente e para tudo mais que possamos imaginar. Não importa o que te faz ou me faz correr. O que importa mesmo é correr. Mesmo que pra isso, você precise de um estímulo extra, como o da amiga de Kinha, de brigar na saída da igreja com seu amado-querido-religioso-e-psicólogo-da-vida-real.
Ah! Santo dedo indicador contra os lábios!