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Delinquência acadêmica: O crime de autoria nas universidades

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Alipio de Sousa Filho (Cientista Social, professor da UFRN)

Nas universidades brasileiras, especialmente na pós-graduação, vem se tornando prática comum alguns professores publicarem textos (artigos, livros) como “coautores” de trabalhos escritos por estudantes. Estes escrevem os textos (alguns deles como trabalhos para conclusão de disciplinas) que são publicados com a “assinatura” de orientadores, organizadores das publicações etc. Professores que, embora não tenham produzido os textos, tornam-se também “autores”. Que nome dar a tal prática? Picaretagem? Malandragem? Banditismo? Vou chamar de crime de autoria. Sim, crime, pois assinar como seu trabalho escrito por outrem é crime.

Quando são estudantes que agem assim, os professores nomeiam de plágio, e reclamam, reprovam, contestam. O que não está errado. A crítica08-plagio é pedagógica, educativa. A honestidade intelectual é um dos princípios da produção científica, acadêmica, intelectual. Porém, o que os estudantes podem dizer de seus “mestres” que assinam seus trabalhos como “coautores”, sem que tenham produzido um único parágrafo? Alguns professores que sequer leem os textos que assinam, impondo-se como autores pelo poder que exercem sobre os estudantes. Por sua vez, bom número de estudantes admite esse abuso porque acredita que não há outra maneira de publicar que não seja debaixo da chantagem “é assim ou não publica”. Claro, há muitos estudantes que não admitem tal abuso, tal violência, não se tornando cúmplices de prática que merece ser chamada – talvez diferentemente do que pensou originalmente Mauricio Tratenberg – “delinquência acadêmica”.

O que estou aqui tratando não é nada que todos já não saibam, cabe dizer é “segredo de polichinelo”… Por todo o país, em diversas universidades e programas de pós-graduação, pratica-se a impostura da coautoria sem que ela seja autêntica, verdadeira. Pois, nada há de errado na coautoria, desde que ela seja, de fato, uma produção conjunta, coletiva, a quatro mãos, seis, oito… O que não pode é a mentira prevalecer, ocultando falsa produção partilhada sem que efetivamente tenha existido trabalho intelectual dividido, compartilhado.

plagarisimO que é mais sério é que isso vem sendo praticado em nome de uma tal “exigência da CAPES”. Mentira. A CAPES não “exige” produção e, em nenhuma hipótese, falsa produção. Ela AVALIA os programas de pós-graduação, utilizando-se de diversos critérios, dentre os quais a produção intelectual e publicação de professores e estudantes. Uma avaliação feita com o objetivo de conceituar os programas. Se há programa cuja produção e publicação de seus professores e estudantes é baixa, a CAPES não “exige” que produzam, avalia como “ruim” ou “fraca” essa produção. Aqueles que se utilizam do nome da CAPES, em claro oportunismo, para suprimir a escassez de produção (sua e de outros, em cínico corporativismo), para engordarem artificialmente seus Lattes, devem saber que não enganam nem mesmo as pedras! Mas, não é de hoje, que, nos programas de pós-graduação, são criadas “normas”, “decisões”, em nome de CAPES e CNPq, sem que sejam jamais escritas, tornando-se verdadeiras lendas de corredor. Porque mais não são que invenções locais, casuístas, arbitrárias.

A consciência que poderia ter nascido com as contínuas avaliações da CAPES, entre professores e estudantes, poderia ter sido a de procurar melhorarem a quantidade e qualidade da produção, mas o que vimos surgir, em bom número de casos, foi a estratégia da pilantragem, da trampolinagem: forjar coautorias de professor com aluno para rapidamente aumentar a “produção” dos programas. Astúcia e cinismo juntos pela pretensão de iludir a CAPES. Alguns por acreditarem que avaliadores do órgão iriam cair em tal cilada, por mais improvável que seja algum avaliador acreditar que um professor possa ser coautor de oito, dez ou doze trabalhos num curto período de tempo. Inconfiável uma tal usina de produção intelectual!

Tempos atrás o filósofo Arthur Giannotti escreveu sobre o que chamou “a universidade a caminho da barbárie”. Talvez exemplo mais pertinente não exista hoje dessa barbárie que a prática da desonestidade intelectual de professor assinando autoria de texto que não escreveu, impondo a seus alunos que acrescentem seus nomes como autores, sem que tenham gastado qualquer minuto de algum dia para escrever o que publicam como também obras suas. Ato desonesto, delinquente, e profundamente deseducativo para profissionais que deveriam ter como princípio formar jovens para a honestidade intelectual, para a produção científica independente e autêntica.

O crime de autoria deve ser denunciado pelos estudantes, estes devem parar de aceitar de bom grado a “servidão voluntária” (La Boétie), subordinados à mentira que “ou é assim ou não publicam”.