Depois da prova do ENEM uma série de pessoas inconformadas com a pauta da redação iniciaram uma série de questionamentos que colocam como pauta a violência sofrida pelos homens. Com a hastag #EuNãoPrecisoDoFeminismo muitos afirmam que 91% das mortes, no Brasil, são de homens. Contra apenas ínfimos 9% de mulheres. Em momentos assim percebemos que os professores de matemática e sociologia precisam ficar mais atentos aos seus alunos. A análise de dados é tratada por muitos de maneira completamente aleatória e assistemática e isto demonstra um sério problema na educação brasileira.
Voltemos ao ensino fundamental, quando o professor de matemática nos explica que, para resolver um problema que envolve muitas variáveis, a primeira coisa que precisamos fazer é padronizar o problema. Ou seja, se a questão nos dá unidades em centímetros, metros e quilômetros, precisamos, primeiramente, padronizar o sistema de medidas. O mesmo ocorre com o tempo, quando nos aparecem problemas com segundos, horas, dias e semanas. Não ocorre diferente no caso da violência. Para medir a violência de maneira correta precisamos padronizar o sistema de medidas. O desconhecimento das normas e técnicas científicas em matemática e sociologia podem gerar sérias distorções.
A questão não é o “valor absoluto” das mortes. Mas “os tipos de mortes” e “como acontecem”. Na realidade podemos realizar várias perguntas (ou seja, isolar dados) para tentar medir a quantidade de violência sofrida por homens e mulheres. Por exemplo: “nos casos de agressões domésticas, geralmente, quem é o violentador e quem sofre a violência?” Ou mais: proporcionalmente, quantas mulheres matam homens e quantos homens matam mulheres?
Quando desejamos pensar o nível de violência cometida contra a mulher no Brasil não podemos, para isto, comparar o número absoluto de mortes de homens e mulheres. Esta é uma maneira grosseira de tratar os dados. O que precisamos fazer é comparar as situações. Por exemplo. No Japão, de cada 100mil mulheres, quantas são espancadas pelos seus parceiros? No Brasil, de cada 100mil mulheres, quantas são espancadas pelos seus parceiros?
Os dados demonstram que, na zona urbana do Brasil (na rural a situação é pior), 29% das mulheres relatam que já sofreram algum tipo de violência física ou sexual do próprio parceiro. No Japão, o mesmo índice não passa dos 15%. Ao se comparar o Brasil com o Japão, vemos que nossas mulheres são surradas quase duas vezes mais pelos seus parceiros no que nas terras dos samurais.
Outra comparação que pode ser feita é analisar os eventos em que um tipo específico de violência ocorre. No caso: em situações de violência doméstica, quem costuma ser o agressor? A casa é um ambiente seguro? Para os homens pode ser. Os homens sentem-se seguros em casa. Mas não é o caso das mulheres. 48% das mulheres relatam que já sofreram violências dentro de casa. No caso dos homens, apenas 14% sofrem violência doméstica (PNAD/IBGE, 2009).
É preciso fazer a pergunta certa na hora da análise de dados. Caso contrário, acabaremos fazendo um verdadeiro samba do crioulo doido e expondo vexatoriamente nosso profundo desconhecimento das normas e padrões adotados pela ciência. O que vemos ao observar os dados disponíveis é que, nas mais diversas situações do dia-a-dia, os agentes geradores de violência são, majoritariamente, homens. Não podemos culpar as mulheres pela violência que os homens causam contra os homens. É um contra-senso e uma inversão perversa da lógica que os dados demonstram. O que observamos, na realidade, é a existência de uma cultura da violência no âmbito daquilo que descrevemos como masculino. As causas feministas, prioritariamente, visam a diminuição da violência e um questionamento do “masculino”. Não há de se imaginar como alguém não precise do feminismo ou não seja favorável a ele. Até os homens precisam do feminismo.