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É na tentativa de ser alguém, que a gente termina sendo.

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Quando o mar da vida agora agita, eu tenho deitado tranquila fingindo ser marola. Me gritam, me sacodem, me arranham a vitrola e eu ali, abestalhada, menino descalço jogando bola.

É coisa pele, de pé no barro seco correndo-sorrindo de um lado pro outro, de banho de bica domingo, cuscuz com ovo no café da manhã. De “com licença” e “me perdoe” e “muito obrigada, muito obrigada, muito obrigada”, essa consciência sã e mal-sã.

Quando a vida agita e parece que tudo vai desabar, eu deixo o corpo deslizar pela cadeira do escritório, relaxo, folgo o sapato, me jogo no chão, eu tento amar.

E tento.

E a vida é tentativa com objetivo, a vida é tentar todo dia, a vida talvez – meu querido – seja só tentar. Afinal, veja bem, qual a lógica de se viver sem (alerta de rima pobre) nada mais pra conquistar?

E tento.

Dou com os burros n’água, com a cara na parede, com a porta fechada… Daí então me viro, traço um risco caricato, desemborco o chapéu, ganho um trocado, me faço, me acho… Eu dou o ritmo e sou meu próprio compasso.

Quando – nesse deserto social que é existir – cada um se ensimesma com sua solidão, eu viro bloco de carnaval, marchinha em Recife, Explode Coração (quem lembra?).

É mesmo que estar vendo: dou nó num pingo d’água e convenço todo mundo de que eu, euzinha, eu mesma, convenço.

Faço o bem e o mal, o mal e o bem, eu alterno igual balança, igual cadeia cíclica, igual gangorra numa pracinha às quatro da tarde. Aliás, faço mais bem do que mau – diga-se de passagem.

Doo. Na maioria das vezes me dói, mas a vida é esse lance opaco de doação, de não olhar os dentes do cavalo dado e talvez – talvez – tentar ser o próprio cavalo.

O vento parado eu agito, vento agitado viro marola.

E tento: é na tentativa de ser alguém, que a gente termina sendo.