Desde que eu me entendo por gente, meu avô acorda todo dia às 5. Não só pra sair mais cedo e pegar menos trânsito ou acordar uma Alice cheia de sono ou fazer o desjejum tradicionalmente gostoso composto por tapioca, ovo, mamão e café forte (comida de avô), mas pelo prazer de ver o sol rasgar o céu trazendo a certeza de que a vida é isso mesmo: um dia após o outro.
As lembranças mais incríveis que eu tenho são das viagens pelas grutas e trilhas Brasil afora. Meu herói de cabelo platinado falava das propriedades dos estalactites e estalagmites e os benefícios de umas plantas que eu nem sei o nome como quem recita “batatinha quando nasce…”. Era sempre como estar dentro dum programa do Bear Grylls – aquele que come minhoca e cocô no “A Prova de Tudo” da Discovery Channel – nunca entendi como é que tanto conhecimento técnico e sabedoria conseguiam caber num homem tão simples de 1 metro e setenta. “É Alice, às vezes Deus compensa”.
Meu avô cresceu nas Quintas – bairro humilde de Natal – e dividiu, durante toda infância, uma casa de três cômodos minúsculos com mais uma dezena de irmãos igualmente franzinos e carentes. Algumas muitas vezes comia melaço com farinha no café e melaço com farinha no almoço, variando apenas no jantar – era farinha com melaço. Essa poderia ser uma crônica triste, não fosse minha bisavó Elina, que truqueira de nascença, driblou a burrocracia do estado e matriculou o pequeno Edilson em duas escolas de turnos diferentes para que assim, naturalmente, ele godelasse duas merendas. Mal sabia ela o monstro que estava criando (hoje ele é um dos doutores e estudiosos em geografia mais respeitados da UFRN e do nordeste).
Tal qual Zeca Pagodinho e ex-BBB desesperado, meu vô já fez quase tudo nessa vida: entregou leite de porta em porta, foi soldado do exército, foi jogador profissional do Ferroviário (um time de futebol café-com-leite da capital norte-riograndense) e quase se lascou bem muito por querer eleições diretas na época da ditadura. Já o vi colocar, em 30 segundos, meia dúzia de coxinhas no chinelo sem nem ao menos franzir a testa ou ser replicado com um “volta pra Cuba!!!” indignado. Hoje, o título de meu pai é o que ele faz mais questão de me mostrar quando faço alguma merda, mas nossas DRs sempre terminam em risada.
Meu avô é mais meu pai que meu avô, ele é mais meu pai que o meu pai, ele é o pai que eu tive a sorte de querer ser meu pai. Meu paivô é algo entre a responsabilidade da paternidade e os mimos da avôternidade. Ele é avohai – ou “painho” – por livre e espontânea vontade.
No primeiro semestre de 2015 tudo de mais bizarro que poderia acontecer comigo, aconteceu. Evito os detalhes, mas posso lhes dizer que algumas vezes dormi no chão e ainda assim, caí da cama. Era muito drama até pra mim que sou atriz. Não fosse painho me ouvindo e afirmando que eu sou senhora de mim, da minha sorte e do meu azar, talvez eu não tivesse visto todas as coisas lindas que me aconteceram de junho pra cá. Acreditem: o pior cego é aquele que acredita nos clichês.
Passada a urucubaca, acordo bem cedo numa quarta-feira de agosto – o mês do desgosto™ – e com essa ousadia única que Deus me deu, mando um áudio bem tranquilo via Whatsapp pro Rodrigo Sérvulo, um dos colunistas da Carta: “Migo, pelo amor de Deus, me dá um espaço pra eu publicar minhas crônicas semanais nem que seja pelo sistema de cotas? Meu tumblr tá mais caído que teta de véia…”
Sempre fui tiete desse site, então não lembro se ele disse sim, mas eu consegui a senha e o login. Às vezes Deus compensa.
Toda terça eu vou estar por aqui sendo cafona e engraçadinha. Vamos sublimar juntos as tretas e eu lhes ajudo a me ajudar!
“Mais cafona que engraçadinha, diga-se de passagem!”, deve ter pensado alto o Seu Edilson enquanto lê essas leseiras em sua sala no CCHLA, rindo da minha cara com seu sorriso de sol que rasga o céu pela manhã. “A vida é isso mesmo, minha filha: um dia após o outro“.