A palavra democracia jamais pode ter sua semântica fechada ou encerrada em apenas um sentido. Ela deve estar aberta às novas significações que afloram cotidianamente no bojo da sociedade. Principalmente numa sociedade plural e em processo permanente de diferenciação de suas formas de vida.
De forma semelhante, em sintonia com uma sociedade ultradiferenciada como a que observamos nas capitais metropolitanas brasileiras, é preciso desenvolver políticas de mobilidade urbana que adotem princípios práticos da nova ecologia urbana do século XXI. Dentre as quais, políticas que valorizem e viabilizem concretamente a pluralidade dos modos de mobilidade na cidade (uso de bicicletas, carros, ônibus, metrô e até mesmo caminhadas).
É o que encontramos atualmente, por exemplo, em cidades como Nova York, Berlim, Barcelona, Amsterdã e São Paulo. Nova York hoje é o lugar das experiências mais bem sucedidas de reformas nas modalidades de mobilidade urbana. Berlim, cidade famosa por apresentar uma das melhores malhas de metrô do mundo, também tem ampliado seus serviços públicos de mobilidade sustentável, investindo em 1000km de ciclovias. Barcelona, outra referência global de planejamento urbano, além de uma rede ampla de metrô, também apostou na implantação do veículo leve sobre trilho (VLT). Amsterdã é conhecida como a cidade da simbiose entre cultura local e planejamento urbano, com uma política pública que combina de modo criativo a dupla valorização da cultura e da mobilidade sustentável (rotas de museus e boulevards com trajetos para bicicletas). Por sua vez, São Paulo que já foi enxergada como um caso perdido de sustentabilidade, começa aos poucos a reescrever sua imagem e incorpora em sua paisagem urbana a multimodalidade de práticas de deslocamento no espaço (caminhada, motos, carros, ônibus, metrô, bicicleta, patins etc.). Em suma, a democratização do espaço urbano já é uma agenda política do século XXI em diferentes cidades do mundo.
Com efeito, também em escala global, ocorre um processo de desconstrução da hegemonia do uso de carros particulares nos centros urbanos. Há uma maior compreensão coletiva sobre o direito ao uso público e diversificado da mobilidade. Na sociedade democrática e plural atual, qualquer política pública deve ser representativa da real diversidade existente no tecido social, inclusive uma política de mobilidade urbana sensível aos diferentes usos públicos e privados dos meios de deslocamento. Certamente, uma sondagem estatística rápida sobre os modos de mobilidade urbana mais utilizados pela população natalense vai confirmar a diversidade e o mais grave, a assimetria existente no tratamento da gestão municipal, esta, mais voltada para políticas de favorecimento do uso de carros particulares (meio de mobilidade mais utilizado pelas frações de classe média e alta).
Nesse sentido, é uma vergonha a gestão de Carlos Eduardo no que toca à política de mobilidade urbana. Estamos no terceiro ano de sua administração a frente da prefeitura e não encontramos nenhuma inovação concreta em matéria de política de mobilidade. Ao contrário, os velhos problemas com transporte público (circulação e horários demorados, aumentos desregrados de passagem) só confirmam a visão envelhecida e ultrapassada do prefeito.
Em relação à mobilidade é fato que Natal ainda se estrutura como uma cidade da primeira metade do século XX – investimentos públicos pesados na construção ou reforma de viadutos e avenidas, e quase zero investimento em políticas de diversificação e estímulo dos serviços de mobilidade no espaço urbano (construção e reforma de calçadas para a locomoção de pedestres, criação de ciclovias no circuito urbano da cidade, ampliação da frota e dos horários de serviços dos ônibus públicos etc.).
Mais grave, objetivamente nossa cidade não serve ao pedestre, não serve aos ciclistas, não serve aos usuários de transporte público e também não serve aos usuários de carros particulares (os longos e estressantes engarrafamentos diários confirmam o último caso). E o prefeito Carlos Eduardo parece optar pela “cara de paisagem” sobre o problema. Não o enfrenta diretamente, muito menos promove o diálogo e o debate público com a sociedade civil natalense. Parece acreditar realmente que esse prolongado desastre urbano não vai deixar marcas negativas na sua gestão e respingar diretamente no seu capital político junto a configuração do eleitorado local.
Pelo jeito, o prefeito segue o raciocínio míope do seu primo (Henrique Alves) e deve também acreditar que o seu desempenho eleitoral pode ser determinado apenas pela “inflação” da coligação de alianças partidárias – uma compreensão do jogo político cindida da vida cotidiana (sendo este o cálculo político, corre o sério risco de repetir a derrota dos Alves em 2014 na corrida para o executivo). Esquece que 2016 se aproxima e que a população, informada pelas mídias alternativas, vai cobrar a fatura de sua medíocre gestão na mobilidade urbana. E que essa pode ser a principal bandeira política nas eleições municipais do próximo ano. Caso isso aconteça a administração de Carlos Eduardo será trágica e comicamente lembrada como o contraexemplo empírico do que NÃO É, nem de longe, um modelo de gestão sustentável da cidade. Portanto, “revolta do busão” é pouco! É preciso também uma revolta da bike, do Ford Ka, da Yamaha e dos mochileiros caminhantes. Tudo ao mesmo tempo. Só assim, quem sabe, o prefeito descobre que “existe amor e diversidade (urbana) em Natal”.