Compartilho com os leitores da Carta Potiguar o instigante artigo-entrevista dirigido por Jorge Rocha, da revista eletrônica Limbo:
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Difícil, ao olhar para os suplementos culturais dos jornais, programas especializados na TV e programação de festivais, não pensar que o valor da Literatura foi trocado pela exacerbação do mercado editorial. Ciente dessa provável inversão de valores ou desequalização, [limbo] propôs a alguns escritores que respondessem três perguntas que sintetizam as preocupações acerca do atual cenário literário brasileiro. Para essa primeira rodada, foram convidados Léo Cunha, Marcelo Mirisola, Micheliny Verunschk e Márcia Denser — que respondeu as três perguntas, magistralmente, de uma só vez; La Denser pode. A resposta dela está publicada ao final.
1) É inegável, sob qualquer aspecto pelo qual se avalie, a existência de um prolífico cenário literário brasileiro que precisa ser melhor aproveitado e publicizado. As políticas de publicação das editoras de grande e médio porte no Brasil estão atentas à essa necessidade?
Léo Cunha: Acredito que a capacidade de publicação das editoras nunca foi e nunca será suficiente para dar conta do que os escritores produzem de contos, romances, poemas, crônicas, ensaios etc. Isso ocorre em parte por uma limitação técnica, operacional, em parte por questões financeiras e de mercado, e em parte porque a literatura simplesmente não para de brotar. Em nossos tempos de internet, blogs, facebook etc, essa defasagem parece ainda maior, até porque é mais visível. Muita gente de talento que em outros tempos permaneceria desconhecida, agora consegue aparecer de alguma forma.
Claro que as editoras deveriam estar atentas a isso, e algumas estão. No início deste ano, por exemplo, a editora Positivo me convidou a organizar e prefaciar uma antologia de poemas do pernambucano Múcio Góes, que já tinha publicado alguns livros de forma independente ou por pequenas editoras. O editor da Positivo, o Marcelo Del Anhol, descobriu o Múcio não por meio destes livros, mas sim por meio do facebook e do blog do poeta, e então decidiu propor a ele a publicação dessa nova antologia. Achei a experiência muito rica e reveladora de como os processos podem acontecer, hoje em dia. O livro está na gráfica e será lançado ainda este ano. O título será “Eu sou do tipo que costura versos com a linha do Equador”.
Marcelo Mirisola: “Prolífico cenário”? Bem, você quem diz. Com relação a política das editoras,você teria que perguntar a um técnico de mercado ou editor, sou apenas um escritor e a minha matéria-prima é a ficção. Qualquer avaliação que fizesse nesse sentido não passaria de puro palpite.
Micheliny Verunschk: Eu não sei responder a essa pergunta. Ou não sei responder direito, porque um cenário prolífico não significa exatamente um ganho qualitativo. Esse é um ponto. Segundo ponto, penso que antes de mudar as políticas de publicação no Brasil, haveria que se pensar em estratégias de leitura, de aproximação do leitor com a poesia, o romance, com o escritor contemporâneo brasileiro. Porque acredito que não adianta encher as prateleiras das livrarias de livros sem que haja quem, de fato, os leia. Sobre as grandes editoras, penso que não mudarão suas políticas sem que exista uma demanda de para isso. Mas de fato hoje acredito menos em grandes editoras e mais em ações pontuais, pequenas editoras, coletivos. Acredito mais no poder que se exerce contracorrente.
2) A crítica literária que se aplica no Brasil realmente tem uma função válida ou segue um padrão de validação dos mais badalados pela mídia?
Léo Cunha: Acredito que não há como generalizar. Da mesma forma como a internet ampliou e democratizou os modos e plataformas de publicação, ela também abriu espaços para a crítica.
Existem diversas publicações literárias eletrônicas (sejam elas em formato de blog, de revista, de portal etc) que abrem espaço para a crítica literária, exercida em todas as suas variáveis, ou seja, desde pequenas resenhas de cunho mais informativo ou de orientação de consumo, até outras de mais fôlego, mais voltadas para o debate de ideias, tendências ou análise mais aprofundada de alguma obra ou escritor.
Marcelo Mirisola: Outra questão que igualmente não me diz respeito. E não devia pesar na conta de qualquer escritor que prezasse por sua obra — embora saibamos que tem muito verme metido a escritor que vive em função de puxar saco de critico literário. O máximo que faço é replicar quando algum cretino escreve merda a respeito dos meus livros, viste a chapuletada que dei num professorzinho da UFRGS? Falou merda, levou de volta.
Micheliny Verunschk: Acho que há uma ideia disseminada de que não há crítica literária sendo feita no Brasil. Acredito que há várias espécies de crítica: a das revistas especializadas, muitas delas acadêmicas, a crítica dos jornais de literatura e o que erroneamente se chama de crítica e não passa de resenha, muitas vezes adoçada/endossada pelo compadrio. A crítica mudou. Não existem mais os espaços que existiam até os anos sessenta. espaços no jornal, digo. Ou talvez seja melhor dizer que a crítica está mudando. Que ela se adequa aos espaços e tempos. A figura do crítico mudou também. Acredito que nesse caso também é preciso separar o joio do trigo: nem tudo que reluz é crítico.
3) O que é o escritor brasileiro nos dias atuais?
Léo Cunha: Tenho discutido muito isso com outros escritores e amigos. Eu tenho a sorte, ou o privilégio, de estar no mercado de literatura infantil e juvenil há mais de 20 anos, com mais de 50 títulos publicados, fora inúmeras participações em coletâneas. Vários dos meus livros passaram da 10ª edição (ou reimpressão). Venci os principais prêmios da literatura infantil e juvenil do país. E ainda assim, em minhas andanças pelo país, em feiras e festa de livros, descubro diariamente como sou invisível e desconhecido para uma parcela imensa de pessoas. Se isso acontece comigo, que já tenho uma bagagem considerável, imagino o desafio de outros escritores, que estão ainda começando.
Marcelo Mirisola: Um cara que ainda não descobriu que é mais otário que o Eduardo Suplicy.
Micheliny Verunschk: Talvez fosse melhor eu responder quem é a escritora brasileira dos dias atuais: mulheres que, a despeito das estratégias de invisibilidade avalizada por curadorias de eventos, mesas, antologias, festas literárias, procuram particularizar suas falas, atuações, individualidades.
E agora, a resposta de Márcia Denser:
“Atualmente o Brasil está tendo um momento muito rico, literariamente falando. Em razão da internet,etc.etc. Mas também horrivelmente equivocado. Explico: como não há mais crítica literária no sentido estrito (aquela que era publicada com regularidade nos jornais, suplementos, etc. por elementos qualificados pela Academia), deixou-se ao mercado e a certos grupos das agências de fomento à cultura a valoração literária: quais autores, quais obras. Os prêmios são cartas marcadas: sempre as mesmas pessoas, chega a ser tedioso. Ou seja, não há mais um critério claro que defina o que é e o que não é literariamente relevante. Vivenciamos uma espécie de caos cultural. Felizmente há uma instância ainda não cooptada pela cultura de mercado: o boca a boca, a tradição entre os escritores: é entre eles que se decide quem é e quem não é relevante. Em síntese: a teoria do “campo literário”, tal como formulada por Bourdieu, ainda funciona na sociedade brasileira da atualidade.
A boa literatura sempre interessa, mas vocês não devem contar com isto em nossa época. Dau Bastos, escritor e professor universitário no Rio, me disse que, atualmente segundo pesquisas, há mais romances sendo escritos que leitores em condições de comprá-los e apreciá-los. Por outro lado, há dois grandes autores publicados a partir de 1990 no Brasil: Marcelo Mirisola — um artista absolutamente genial — e, em segundo lugar, André Sant’Anna.
O que falta à literatura brasileira hoje? Falta crítica, pelo amor de Deus. E talento, é claro. Quando todo mundo é escritor (ou prestes a se tornar), ninguém é escritor, meu bem. É elementar. E o que está sobrando? Oportunismo, em todos os aspectos. E numa cultura de mercado, é o que há, queridos. Estamos perdidos!“