Search
Close this search box.

A roupa de frio e o inverno em Natal/RN – Em defesa da “matutice”.

Compartilhar conteúdo:

Natal é uma cidade tão provinciana que as velhas das calçadas dão conta de tudo. Como normalmente acontece nos meses de Junho/Julho, as chuvas chegaram, o “inverno” começou e as velhas das calçadas começaram a dar conta de tudo. E como não poderia escapar, a roupa dos outros é sempre motivo de fofoca. Dizem as velhinhas: usar roupa de inverno é coisa de matuto, aqui não faz frio.
Antes de mais nada é preciso desconstruir a função social das roupas. Elas não cumprem apenas objetivos concretos (cobrir e proteger o corpo), mas também subjetivos. Quem se veste, muitas vezes, o faz com o objetivo de obter reconhecimento. Daí os tipos diferentes de roupas e os preços diferentes entre roupas parecidas. O tipo ou o valor da roupa lhe insere em um contexto específico. A roupa é uma forma de interação social. É uma busca por grupos. Um estilo de vida. Todos nós já ouvimos de alguém a seguinte frase “achei essa camisa a sua cara”. Fosse a roupa de fato utilizada puramente em funções objetivas, a calça comprida já teria sido abolida de todo Nordeste. O boné, proibido em shoppings. O salto alto, proibido na noite da praia de Pipa. Entre outros exemplos diversos. Indo para o Rio de Janeiro, ao entrar em um shopping a coisa mais normal de se ver: homens de chinelo, bermuda, camiseta regata etc. Mulheres de short, top e por aí vai.  Faça o mesmo em Natal e as velhinhas da calçada dirão que você está parecendo um mendigo.  Na realidade a fofoca é o mais antigo e eficiente mecanismo de controle social. E sabemos muito bem disso, principalmente na capital do RN. A vontade de interferir na vida de outrem com o objetivo de impor um modelo de consumo chega a ser cansativo. Mas voltemos ao “frio”.

Quando falam "Natal não faz frio"  ao criticar quem usa "roupa de frio" durante o inverno da Capital lembra o meme acima.
Quando falam “Natal não faz frio” ao criticar quem usa “roupa de frio” durante o inverno da Capital lembro-me do meme acima.

Devemos sempre lembrar que a sensação de frio é de ordem subjetiva e cultural. Pessoas que sempre viveram em locais com altas temperaturas, naturalmente, irão sentir mais frio do que pessoa que submeteram-se a experiências em locais gelados durante longos períodos. Neste sentido, quem sempre viveu em Natal ou cidades do Nordeste vai morrer de frio com qualquer 25º. Já quem veio ou morou no sudeste e sul do país ou mesmo em outras nações terá uma resistência maior, já acostumou-se com o fenômeno das baixas temperaturas.
Quando escutamos de alguém “Natal não faz frio”, na realidade podemos ler: “eu já viajei, já senti frio, isso não é nada”. Existe, quase sempre, por trás da fala “Natal não faz frio” uma tentativa de auto-afirmação. É o eufemismo de falas como: “já estive no Sul/Europa/EUA”,  “deixe de ser matuto”, “deixe de ser do interior”, “roupa de frio se usa na Europa, seu matuto”. É a distinção social. Formas que a sociedade encontra para deslegitimar grupos e afirmar-se enquanto a “detentora da cultura correta”.
Existem aqueles que possuem (ou acreditam que possuem) poder simbólico o suficiente para “impor padrões”. Mas a magia do poder simbólico só existe enquanto o indivíduo acredita nela e sujeita-se às forças que o induzem a um comportamento específico. Usar o que se tem vontade é um grande passo para uma maior autonomia do indivíduo. Desconstruir o discurso hegemônico dos padrões de roupas nos espaços públicos é um passo, para entre outras coisas, para diminuir o preconceito e zelar pela diversidade, característica típica da humanidade. Somos uma das poucas espécimes que apresenta comportamento completamente diferente a julgar o local que nasceu. E as velhinhas das calçadas querem tirar da humanidade justamente sua maior qualidade. A qualidade de ser diversa. Plural. Todos nós temos aquela camisa de manga longa, que adoramos, mas nunca temos a oportunidade de usar devido as altíssimas temperaturas. Como nem todos podem viajar longas distâncias todos os anos para tirar a poeira daquela roupa de frio, que deixemos as pessoas tirarem o mofo de suas roupas em Natal mesmo, durante o nosso “inverno”. Portanto, Usem roupa de frio sim. E se acharem ruim bote um cachecol. E se continuarem a achar ruim, ponha um sobretudo preto, um óculos escuro procure um telefone e peça para Morfeu desintegrar aquele bite defeituoso que lhe incomoda.
Lembremos sempre que a melhor arma que temos para combater quem quer controlar até mesmo o que as pessoas vestem, é responder de maneira natural, sonora e “Boechatiana”: “vá tomar no olho do seu cu”*. E se reclamarem da má educação, manda tomar no cu outra vez.

* mudei o xingamento para não ser acusado de falocêntrico.