O menino da Vila nasceu e cresceu enfrentando grandes adversidades sociais e raciais. Mesmo assim, devido ao seu dom acima do normal para o esporte, sempre foi apontado e, sobretudo, notado por todos. Ainda muito jovem, foi descoberto por um caçador de talentos, desses que buscam, em jovens da periferia, uma fonte de renda próspera. Cresceu como atleta num clube profissional de grande representatividade e tornou-se um dos grandes personagens da nação. Representando nosso país, viajou o mundo, conheceu outros povos, outras línguas e novas culturas, mas não conseguiu mudar seus princípios.
O menino personagem do trecho acima se desenvolveu num ambiente esportivo altamente competitivo. Os princípios que lhe foram ensinados, certamente primavam pela vitória e pelos três pontos no fim do jogo. Princípios que devem sim fazer parte da formação do atleta, mas que, em minha opinião, necessitam sempre estar acompanhados de outros mais humanizados, que formem o homem, antes mesmo do superatleta.
Essa maneira de ensinar esporte foi alvo de uma crítica feita por mim há pouco mais de dois meses, em conversa com profissionais da Secretaria de Esportes de Natal. Até então, eu, como cidadão, enxergava um trabalho com foco exageradamente voltado para a dimensão competitiva – pelo que apurei, a SEL organiza competições anuais para mais de vinte modalidades. É louvável, mas eu sentia que faltava algo nessa fórmula.
Sempre defendi o esporte ligado à educação, como instrumento de socialização, e ontem, lendo as notícias do dia, fiquei feliz em descobrir que a Prefeitura parece ter notado o “algo a mais” que carecia a fórmula: construir um Centro de Iniciação ao Esporte (CIE).
Em miúdos, o CIE, que será erguido no bairro de Lagoa Azul, na Zona Norte de Natal, trata-se de complexo esportivo com miniginásio, quadra poliesportiva e pista de atletismo. O objetivo do projeto é de ampliar a oferta de infraestrutura de equipamento público esportivo qualificado, incentivando a iniciação esportiva em territórios de vulnerabilidade social. Isso será feito através da prática de treze modalidades olímpicas, seis paraolímpicas e uma não-olímpica com o conceito de extensão do ambiente escolar, focada na educação, estimulando a formação de novos atletas. O público-alvo serão os alunos da rede municipal de ensino.
Pelo que entendi, o projeto bancado pelo governo federal e mantido pelo municipal, é considerado o maior programa de legado de infraestrutura dos Jogos Olímpicos/Paraolímpicos de 2016. Se realmente é ou não, seria alvo de um novo debate, em outro momento. O fato principal aqui é discutir a sua relevância para a nossa cidade.
Como escreveu o redator-chefe da Carta Capital, Sérgio Lírio, “a maioria dos nossos craques, negros ou pardos, foi salva pela bola. Seu destino natural, em um país profundamente desigual e autoritário, seria engrossar as estatísticas das chacinas, a violência policial e urbana ou do subemprego”. É inegável o poder do esporte para transformar realidades. O esporte salva. E a implementação do Centro de Iniciação em nossa cidade vai reforçar o papel social que ele possui.
Washington Olivetto afirmou algo que concordo. “Nem sempre ganhando, nem sempre perdendo, mas sempre aprendendo (e ensinando) a jogar”. O mais importante não é formar apenas o campeão, mas sim o cidadão. O CIE pode possibilitar, por meio do esporte, desenvolver e aprimorar forças físicas, morais, cívicas e psíquicas dos educandos, e promover os princípios éticos da autonomia, responsabilidade, solidariedade, respeito ao bem comum, princípios políticos dos direitos e deveres da cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à ordem democrática.
Poderia ser o caminho para que o nosso menino da Vila suportasse os momentos de pressão sem que se perdesse emocionalmente ou que ele compreendesse seu papel no mundo e explorasse seu prestígio midiático para difundir exemplos à sociedade. Vai possibilitar que os nossos meninos da Vila se tornem homens de verdade.
Que a proposta da Prefeitura do Natal seja um embrião para que um dia nossa cidade seja referência no esporte. Que nós, enquanto sociedade, possamos acompanhar e cobrar a evolução desse trabalho. Que formemos novos meninos da Vila. Da Vila Mariana, da Vila Belmiro, da Vila Maria, da Vila de Ponta Negra ou até mesmo da Lagoa Azul. Que daqui em diante, surjam não só novos ídolos, mas também novos campeões da cidadania.