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A homofobia transformada em uma nova doença gay

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Recentemente tem surgido nas mídias (redes sociais, blogs, jornais, canais…), até mesmo no discurso de alguns militantes LGBTs e de sujeitos simpatizantes, a ideia de que a homofobia, na verdade, teria sua gênese na psicologia de gays reprimidos e que, dada essa (re)pressão e o estigma que sofrem, para se blindarem do preconceito ou num processo de não-aceitação de sua própria sexualidade, tornam-se homofóbicos. De suas próprias “mentes reprimidas” nascem os pastores, políticos e personalidades públicas contrárias aos direitos LGBTs. São exemplos recentes as matérias do Diário do Centro do Mundo[1] e do Pragmatismo Político, discutindo uma possível homossexualidade do pastor Silas Malafaia.

CREDITO: ERNANI D'ALMEIDA
Crédito: Ernani D’Almeida

É interessante notar o apoio que a psicologização da homofobia ganhou nos diversos setores da sociedade. Em vídeo (de autenticidade não comprovada, mas popular) Alexandre Frota diz que já namorou o pastor Marco Feliciano, colaborando com a tese que alega que o pastor homofóbico seria gay, afinal. Se as palavras de Frota ou o vídeo são verídicos, eu não posso afirmar, mas o que me interessará aqui é o jogo homofóbico que é acusar os gays de sua própria sujeição e violência, que faz a tese e o vídeo lograrem sucesso.

Numa sociedade de super-medicalização da vida não é surpresa que teorias assim fossem emergir e ganhar respaldo, às vezes científico. Mas cabe aqui destacar a política que essa especulação instaura no campo das relações em conflito com a instituição de heterossexualidade obrigatória. Os gays se tornam eles mesmos os carrascos de sua própria dominação. A homofobia, que tem sua gênese nos processos sócio-históricos, nas narrativas científicas e religiosas, que fizeram vingar a heterossexualidade como a única possibilidade de vivência da sexualidade humana, forjando-a como uma verdadeira instituição política, passa a ser um problema e ter origem na cabeça dos indivíduos, que por serem gays e não se aceitarem ou procurarem se livrar do preconceito, tornam-se eminentes homofóbicos.

Isso não é novidade para uma sociedade que até recentemente (ou até agora, se você souber onde procurar) diz(ia) que os negros são preconceituosos com eles mesmos: que o racismo vem dos negros para consigo. “Eles mesmos se excluem”, “Eles mesmos se sentem inferiores”. Na tentativa de isentar a dominação da ideologia branca como causadora e força motriz do racismo. A atualização desse discurso é precisamente essa teoria defendendo que os homofóbicos são gays enrustidos. Ela é uma teoria (quando universalizante) homofóbica, porque protege a instituição da heterossexualidade obrigatória de ser vista como o verdadeiro demiurgo do interdito de toda existência não-heterossexual: da homofobia, transfobia, lesbofobia. Os assassinatos homossexuais ao longo da história ocorreram a mando de uma ideologia que abrigava, algumas décadas atrás, quase a totalidade dos sujeitos. Sua origem está no conjunto da sociedade e não fora dela (na mente adoecida de gays).

Eu não quero dizer que em casos particulares sujeitos LGBTs em sua psicologia tornem-se homofóbicos em decorrência da homofobia existente na sociedade, atravessados de relações de poder e dominação praticadas pelo héteroterrorismo, compartilhadas não por essa ou aquela sexualidade especificamente, mas pelos sujeitos que coadunam com esse poder, pelo conjunto de instituições sociais que colaboram, mais ou menos, para a eliminação de tudo que seja não-heterossexual. Porque a heterossexualidade obrigatória, embora ordene que a heterossexualidade deva ser a única via, e embora privilegie os héteros e suprima direitos e humanidade de quem não se identifica assim, não emerge dos corpos daqueles sujeitos héteros, de suas essências ou substâncias químicas, mas é criada e perpetuada na tessitura social. É uma instituição social. Assim como o racismo também é uma instituição, e por tal, pode ser compartilhada e praticada também por negros. Relações de poder devem ser sempre encaradas como tendo origem e manutenção nas sociedades e em suas estruturas, mesmo que estratifiquem sujeitos e grupos baseados em elementos físicos, a cor da pele, o sexo… sob o risco de movimentarmos as causas e consequências, alocando-as nos oprimidos e não nos opressores, para responsabilizarmos aqueles que, na verdade são vítimas, pela criação do sistema ideológico que os oprimem.

[1] http://www.diariodocentrodomundo.com.br/malafaia-e-gay-um-estudo-sobre-homofobia-diz-que-essa-e-uma-enorme-possibilidade/

[2] http://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/06/silas-malafaia-e-gay-ou-apenas-um-completo-oportunista.html