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Reforma política ou mais do mesmo?

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Homero de Oliveira Costa, professor do Departamento de Ciências Sociais da UFRN

 

Anuncia-se para o dia 26 de maio de 2015 a votação na Câmara dos Deputados do que tem sido chamado de Reforma Política, quando na realidade trata-se de algumas propostas           que, mesmo sendo aprovadas, ainda terá de percorrer um longo caminho no Congresso Nacional para sua aprovação final. De qualquer forma creio ser possível afirmar que parece haver consenso tanto no Congresso  quanto na sociedade que, no atual quadro partidário e eleitoral brasileiro, há necessidade de uma ampla reforma  política que possa, entre outros aspectos, fortalecer os partidos políticos, que acabe com partidos sem expressividade social, programática e ideológica (portanto evitando a proliferação de legendas sem conteúdo, as chamadas “legendas de aluguel”), democratizando o processo eleitoral, corrigindo as distorções da representação, entre outros aspectos importantes para o aperfeiçoamento da democracia no Brasil.

A questão é: que reforma política? Tal como ocorreu em outras ocasiões, o tema surge em momentos de crise, discute-se muito e nenhuma proposta é aprovada no Congresso Nacional, ou seja, as medidas propostas – e não votadas e aprovadas – têm mais o objetivo de abafar as crises do que propriamente tornar o sistema político mais transparente, legítimo e democrático. Resolvidas ou contornadas as situações emergenciais, o clima político retorna à ‘normalidade’ e a reforma política volta, mais uma vez, a hibernar nas “profundezas” do Congresso Nacional. Como afirma o manifesto do lançamento do Movimento Nacional Pró-Reforma Política com Participação Popular, lançado em 2006 o tema da reforma política “tem sido considerado somente em situações pontuais, quando interesses político-eleitorais estão em jogo, ou ainda, no bojo de uma grave crise política”. Em 2005, por exemplo, o presidente Lula enfrentou uma grave crise política, conhecida como “mensalão” e em junho de 2005, o governo anunciou que iria encaminhar ao Congresso Nacional uma proposta de reforma política e definiu um prazo de 45 dias para que um relatório, sob a coordenação do então ministro Marcio Tomáz Bastos fosse encaminhado ao Congresso. A proposta foi elaborada e encaminhada, mas ficou restrita a três temas: financiamento público de campanhas, o voto em lista fechada e o fim da verticalização.  Desta apenas o fim da verticalização, que interessava aos parlamentares, foi aprovada (a verticalização foi uma regra instituída pelo Tribunal Superior Eleitoral em fevereiro de 2002, que proibia os partidos de formarem nos estados coligações diferentes das constituídas para a eleição presidencial. Em fevereiro de 2006, o Congresso aprovou, por 329 a favor e 142 contra, o fim da verticalização).

Sobre reforma política, há muitas propostas, tanto dentro como fora do Congresso Nacional (em especial, de entidades da sociedade civil). No Congresso, foram várias comissões especiais de reforma política formadas desde 1995, que apresentam seus relatórios e não foram sequer votadas. E muito menos da sociedade civil e mesmo do Tribunal Superior Eleitoral, que formou uma comissão em 1995 e propôs, entre outras coisas, a redução do número de senadores de três para dois por Estado, de 513 para 400 no número de deputados federais e a extinção da vaga de suplente de senador.         Enfim propostas e boas intenções é o que não faltam. O que não existe é consenso, nem no Congresso, nem tampouco o conjunto das propostas apresentadas por entidades da sociedade civil.

Em 2015, o  tema volta à pauta mais uma vez, em meio a mais uma crise. Com o governo fragilizado, tanto dentro como fora do Congresso Nacional, a Câmara dos Deputados deverá votar a Emenda Constitucional (PEC) 352/2013, proposta pelo ex-deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP) e outros, aprovada em Comissão na Legislatura passada (2011-2014) e adotada, sem modificações, pelo atual presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) que já determinou que a PEC fosse apreciada em plenário até o fim de maio de 2015. A Comissão Especial que a analisa a proposta de reforma política é presidida por Rodrigo Maia (DEM-RJ) e que tem como relator Marcelo Castro (PMDB-PI). Pelo que vem sendo apresentado e discutido, ficou basicamente restrita a manutenção do financiamento privado (ao contrário das propostas da sociedade civil e do próprio Supremo Tribunal Federal cuja maioria dos seus integrantes já se posicionou pelo fim das doações empresariais) e a adoção de uma proposta do PMDB chamada de “Distritão” (resumidamente, serão eleitos os que receberem mais votos. Não haverá transferência de votos entre candidatos do mesmo partido ou coligação, como ocorre no modelo proporcional em vigor, cujo princípio é de listas (abertas), no qual o critério de distribuição das cadeiras é proporcional à votação dos partidos ou coligações).

Vejamos essas duas propostas. A aprovação da proposta da PEC 352 em relação ao financiamento de campanhas é manter tudo como está, ou seja, o primado do poder econômico nas eleições, que não apenas é decisivo, como tem pavimentado o caminho da corrupção no Brasil. Como a maioria do Congresso Nacional é eleita com financiamento privado (empreiteiras, bancos etc.),  a possibilidade de sua manutenção é imensa. Segundo o deputado Chico Alencar (Psol/RJ) a bancada das empreiteiras reúne 214 deputados de 23 partidos, a dos financiados pelos bancos soma 197 de 16 legendas, os frigoríficos ‘apoiaram’ 162 parlamentares, as mineradoras ‘ajudaram’ 85 eleitos. “E ainda há as numerosas Excelências defensoras do agronegócio, da bola, da bala, da cerveja, da mídia mercantil, do fundamentalismo…Quem financia manda: sete de cada dez deputados desta nova Legislatura receberam ‘doações’ (=investimentos) de empresas. Que mudanças substantivas nas regras do sistema político desejarão? “A “reforma”, assim, tende a não sê-lo, muito ao contrário: poderá reforçar os mecanismos do ‘status quo’, por ser debatida e votada exclusivamente por seus beneficiários”, ou seja, os parlamentares que representam interesses empresariais – quando não são eles mesmos empresários e/ou representantes de corporações que financiam suas campanhas – vão votar no financiamento público exclusivo de campanhas?  Nesse contexto, como afirma o deputado “a ‘Reforma Política’ tecida no Congresso Nacional tem forte viés conservador – como, de resto, praticamente tudo o que tem saído de lá neste ano”. A PEC Vaccarezza/Cunha (352/2013) como tem acontecido com outras questões nacionais, se apropria do chamado ‘senso comum’, de negação da política, fazendo uma leitura interessada. E opera, a partir daí, para fortalecer o continuísmo de uma democracia meramente eletrônica, formal e banal, que é autoritária para os de baixo. Na linha do ‘mudar um pouco para continuar tudo como está’: há eleições, partidos e ‘política’ demais? Então vamos reduzir tudo isso, já”.

Em relação ao “Distritão”, se tornou uma alternativa, com possibilidades de ser aprovado no Congresso Nacional. Resolverá alguns dos mais graves problemas da representação no Brasil? A meu ver, não. Apenas ampliará as distorções. Ao contrário dos que dizem seus defensores, aumentará os custos das campanhas e fragilizará ainda mais os partidos políticos. No artigo “O distritão e a arte de jogar votos fora”, o cientista político e professor Jairo Nicolau (Folha de S. Paulo, 13/5/2015), considera “a pior opção já apresentada”. Para ele “Durante muitos anos, a discussão sobre a reforma do sistema eleitoral no Brasil esbarrava na ausência de uma alternativa que conquistasse um apoio razoável dos deputados federais”. Esse quadro, entretanto, mudou na legislatura que tomou posse em fevereiro desde ano. Hoje, o distritão, um sistema eleitoral que nem sequer era mencionado no debate há anos atrás, passou a ser opção preferencial da maioria dos deputados. A defesa do distritão está baseada em dois argumentos. O primeiro é que ele é um sistema simples e fácil de ser entendido. Verdade. Podemos fazê-lo com uma única frase: os mais votados do Estado se elegem.

O segundo argumento é que como cada candidato seria eleito apenas com os seus votos, o que acabaria com o atual sistema de transferência de votos entre os candidatos do mesmo partido (ou coligação).

Para ele,  no entanto,  a eventual vantagem trazida por um sistema acaba com as transferências de votos dos “puxadores de legenda” (o tal “efeito tiririca”) não são superiores aos problemas que ele provavelmente vai gerar e “o principal problema do distritão será seu efeito negativo nos já combalidos partidos brasileiros, ou seja, fragiliza mais ainda os partidos políticos ou como ele diz em relação aos que defendem essa proposta” A lógica é esta: já que os partidos são fracos, vamos fazer uma reforma para fragilizá-los ainda mais. Não seria justamente o oposto? Em vez de corrigir as distorções, amplia-se.

No dia 20 de maio de 2015, um documento assinado por dezenas de sociólogos e cientistas políticos de diversas universidades brasileiras foi encaminhado ao presidente da Câmara  contra a adoção do modelo de sistema eleitoral, proposto para votação no dia 26 de maio de 2015. No documento afirma-se que a sua introdução será um verdadeiro retrocesso institucional: “como o fim do voto de legenda e da transferência de votos dentro das agremiações partidárias, os candidatos correrão por conta própria, a titulo individual, enfraquecendo os partidos políticos e potencializando o personalismo na corrida eleitoral. Além disso, diferentemente do atual modelo, milhões de votos serão jogados fora, visto que somente serão válidos os votos dos eleitos (…) e ao que tudo indica, acarretará o aumento dos custos das campanhas eleitorais, pois, sem incentivo algum para a cooperação dentro dos partidos, os candidatos necessitarão de maior exposição individual”.

No mesmo dia, diversas entidades como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB); Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE); Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag); União Nacional dos Estudantes (UNE); União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES); trouxeram à Câmara dos Deputados, 650 mil assinaturas contrárias à proposta de reforma política que irá a votação programada para o dia 26 de maio na Câmara dos Deputados. Eles defendem o projeto de reforma política de iniciativa popular apresentado em 2013 (PL 6316/13) que estabelece novos mecanismos de financiamento de partidos e de candidaturas, de sistema de votação e de prestação de contas de campanhas eleitorais. A proposta de reforma política, conhecida como Eleições Limpas, foi apresentada por 44 entidades da sociedade civil – incluindo Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) – e foi subscrita pela deputada Luiza Erundina (PSB-SP) e mais de cem parlamentares.

Poderiam ser listados aqui os pontos essenciais de uma ampla reforma, que não estão na pauta como, por exemplo, a correção das distorções da representação dos estados, redução do mandato de senador, extinção da vaga de suplentes de senador , limitação do número de reeleições para o legislativo,  enfim um conjunto de medidas que possam efetivamente significar um avanço para o aperfeiçoamento da democracia no Brasil. No início de 2004, o sociólogo Leôncio Martins Rodrigues publicou um artigo intitulado “Reforma política, ainda” (Folha de S. Paulo, 14.03.2004), no qual comenta que, pressionados pelos partidos de sua base aliada, os projetos de reforma política, que deveriam ser discutidos em caráter de urgência na Câmara, foram deixados para o ano seguinte. E diz: “trata-se de algo que se sucede periodicamente. De tempos em tempos, a chamada ‘mãe de todas as reformas’ reaparece com propostas salvacionistas. Provavelmente a encenação se repetirá no futuro”. De fato, encenações têm se repetido ao longo do tempo. A reforma política que anuncia agora, mantendo o financiamento privado e com o “distritão” não será apenas uma versão piorada do mesmo?