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A despedida de um dos últimos ídolos

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Foto: autor desconhecido
Foto: autor desconhecido

Seria apenas mais um sábado comum, como foi o passado, e como devem ser os próximos que virão. Mas a data 16 de maio de 2015 vai ficar escrita na história do futebol mundial como o dia em que um dos últimos ídolos se despediu de sua casa.

Contra o Crystal Palace, Steven Gerrard fez sua última partida diante de sua torcida. Torcida que é sua, porque sua vida e carreira verdadeiramente se confundem com grandes momentos do Liverpool. Dos seus 34 anos de idade, 28 foram vividos no clube. Foram incríveis mais que 700 partidas.

Uma conta que muitos já devem ter se atrevido a fazer, mais de 60 mil minutos com aquela camisa número 8 que os torcedores sentem orgulho de vestir. Um número que ganha peso com o nome que o carrega.

Gerrard parece ter levado a sério a frase do saudoso jornalista – já falecido – Mário Filho, que dizia que “é mais fácil mudar de mulher do que mudar de clube”. Foram quase três décadas dedicadas ao vermelho da esquadra inglesa. É assim que se vira ídolo.

Apoiando-me a tese do antropólogo Roberto da Matta, de que “o futebol é uma forma de teatralização das relações sociais”, não tenho medo de afirmar que Steven Gerrard é um dos maiores protagonistas do futebol moderno. Disso que tentamos nos apaixonar hoje em dia.

Casos de fidelidade de jogadores de futebol como esse, capaz de fazer narrador se emocionar, estão cada vez mais raros. Falo da falta que nos faz um craque como o holandês Johan Cruyff, que sempre afirmou reservar cinco minutos de cada partida para jogar somente, e tão somente, para a torcida. Falo da lacuna deixada por nomes que jamais esqueceremos no Rio Grande do Norte, como Souza, Carioca, Biro-Biro e Moura, que suavam suas camisas como se fossem suas de fato. Falo da falta dos gols de muleta de Sérgio Alves, das provocações de Reinaldo Aleluia e da coragem de Schumacher.

Talvez seja esse – a ausência de ídolos – um dos principais fatores que vêm afastando as torcidas dos estádios brasileiros. Não é o único motivo, nem o principal, mas não há como negar que a falta de identidade dos atletas com as camisas que defendem, a escassez de ídolos, homens em quem você possa confiar nas partidas mais difíceis e nos momentos mais improváveis, que o torcedor vá à campo para vê-lo em cena, tira muito do brilho do jogo.

Não sei ao certo porque – não sei explicar tudo, nem consigo abraçar o mundo com minhas ideias – a fidelidade dos jogadores modernos em raros casos ultrapassa a marca 365 dias. Difícil entender. Talvez pensem mais no fator financeiro ou talvez não pensem sozinhos.

O fato é que agora não possuímos, nem formamos ídolos como outrora. É mais fácil e barato formar um time de jogadores normais em vez de um com alguns craques e ídolos. Como defende Tostão, é uma exaltação da mediocridade. “Os atletas mais modestos correm mais e são mais aplicados taticamente”.

Eles preferem investir na eficiência, do que apostar no drible, na jogada de efeito e no imprevisível que dá beleza ao futebol. Tantos números para nada. Eles não sabem o que estão deixando de ganhar sem seus ídolos.

Caros treinadores, gestores e abnegados de ABC e América, precisamos salvar esse esporte que é o maior fenômeno de mobilização da história da humanidade. Não precisa ser exatamente um Steve Gerrard, mas a necessidade urge. Procura-se um ídolo na terra dos comedores de camarão.