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Você sabe mesmo o que é um conto?

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Você já deve ter se perguntado alguma vez o que vem a ser essa coisa chamada conto. Não? Pois, permita-me, coloco agora esta pulga atrás da sua orelha. E nem adianta ir pensando que só o critério “tamanho” será suficiente para te livrar dessa. Embora quase sempre ajude, ele pode não bastar para resolver o problema. Afinal, você já parou para pensar por que “Iracema”, de José de Alencar, seria um romance, ao mesmo tempo que “O Alienista”, de Machado de Assis, é um conto? Ambos não teriam mais ou menos o mesmo tamanho? Pois é, sigamos, então, adiante.

Antes de tudo, é necessário dizer que não tenho a menor intenção de ditar regras aos queridos escritores. Sou apenas mais uma a sentar nos ombros desses gigantes. A ideia, aqui, é apenas de descrever aquilo que permanece invariável no conto. Mesmo depois de diversas mutações ao longo da história, uma estrutura básica tem se perpetuado. E a partir desta base foram estabelecidos critérios que determinam quando um texto literário pode ser ou não considerado um conto. É também pensando nela que Massaud Moisés* afirma: “os contos não são contos porque têm poucas páginas, mas, ao contrário, têm poucas páginas porque são contos”¹.

Durante o Romantismo, o conto ainda era vinculado à ideia de narrativa popular, à história que fosse inverossímil ou fabulosa. Até aí, a maioria dos autores usavam outros termos, tais como: narrativa, episódio, lenda, história, novela, etc. Basta lembrar que Edgar Allan Poe usou o termo “tale”, que teria o significado de narrativa popular, no seu livro de contos intitulado “Tales of the Grotesque”. Somente ao final do século XIX, com o Realismo, “o conto literário entrou a ser cultivado amplamente, iniciando um processo de requintamento formal que não cessou até os nossos dias”¹. Aí, sim, o termo “conto” se firmou e passou a ser adotado pelos escritores, sem maior hesitação.

Pois, feitas todas essas considerações, podemos, enfim, dizer que o que caracteriza o conto é o fato de ele ser uma “célula dramática”. Há apenas um conflito, um núcleo, uma ação principal que exerce uma força centrípeta e que condiciona todos os outros ingredientes da narrativa. Não é senão por isso que, no conto, predomina a unidade de espaço, de tempo, de efeito no leitor, assim como a existência de poucos personagens e, consequentemente, um tamanho menor da narrativa. Por isso, também, que digressões e descrições longas são evitadas, afim de não afastar o leitor da tensão do conflito. Em resumo, “o núcleo do conto é representado por uma situação dramaticamente carregada; tudo mais à volta funciona como satélite (…), existe em função dele”¹. Esta seria a característica-base deste gênero literário.

Edgar Allan Poe já pregava que a força do conto deveria estar no seu epílogo. O desenlace, muito bem amarrado com todo o resto, que surpreenderia à maneira do “estalo do chicote”. Era esta a forma tradicional.  Mas foi com Anton Tchekhov que surgiu o conto moderno. Tchekhov preconizava que, ao escrever um conto, dever-se-ia cortar o início e o fim.  E sem mais usar explicações, desculpas, nem referências ao tempo e ao espaço. Nada mais. O leitor mergulharia de cabeça na ficção. Teríamos, então, a predominância do diálogo e a frequente ausência de introdução à situação a ser retratada. Vem daí a tendência dos contos atuais em evitar o enredo e em ter o desfecho aberto – “os conflitos não são resolvidos. O leitor supõe que a história ultrapassa os limites ficcionais”¹. O conto, nesse caso, assemelha-se a um retalho do cotidiano.

No estilo tradicional de Poe, na revolução de simetria de Tchekhov ou em qualquer outra variação, é certo que a estrutura básica do conto se mantém. O tamanho, logicamente, ajuda na sua definição. Mas, quando a narrativa adquire uma dimensão que possa se confundir com uma novela, por exemplo, seriam esses critérios “qualitativos”¹ (e não quantitativos) os capazes de distinguir um gênero literário do outro. E só aí tiraríamos a pulga de detrás da orelha.

*Massaud Moisés é professor titular da Universidade de São Paulo e autor de várias obras importantes de história e teoria da Literatura.

 

1 MOISÉS, Massaud. A Criação Literária: Prosa I. 19ª ed. São Paulo: Cutrix, 2003.

 

Imagem: banco de imagens do Google