Enquanto a bola não começa a rolar nos gramados maltratados do futebol potiguar – ressalvas pro Frasqueirão e Arena das Dunas, antes que eu seja crucificado – o noticiário fica atopetado por pautas menos comuns. Muitas delas sem muita relevância. No jornalismo chamamos essa prática de tapa-buraco – ou pautas de gaveta ou de geladeira, dependendo da situação. Mas admito que uma notícia dessas me deixou demasiadamente feliz: os 45 anos de clube completados por Joca, o roupeiro do ABC.
Seu nome de batismo é João Bernardo, mas todos o conhecem apenas pela alcunha de Joca. O cuidadoso roupeiro chegou ao ABC em 22 de janeiro de 1970. Há exatos 45 anos, quando o clube ainda tinha sua sede no bairro de Morro Branco, onde hoje só existem residências e edifícios. Tinha apenas 14 anos de idade. Foi o seu primeiro emprego. Nos primeiros anos, Joca era apenas assistente de mordomo. Assumiu a vaga de titular aos 20 anos, em 1976, e nunca mais saiu. Incansável, parece ser eterno e insubstituível. No dicionário de Joca não existe o vocábulo aposentadoria.
E ele não é só o roupeiro do ABC. Por trás daquele homem de feitio simples, tem muito mais. Os anos de experiência sem sombra de dúvidas lhe trouxeram muita astúcia e manha. O menino da zona rural de Macaíba percorreu as cinco regiões do país, conheceu cidades que nem sabia que existia no mapa. Conheceu outro país. Conviveu e aturou treinadores e jogadores de todos os cafundós existentes nesse Brasilzão. De Carabina a Ferdinando Teixeira. De Alberi a Wallyson. Cumpriu seu papel com rigor. Nunca um jogador entrou em campo com um número trocado.
Um dos últimos momentos vividos por mim dentro do ABC foi durante a pré-temporada de 2013, ano em que me afastei da assessoria de imprensa do clube. Nessa ocasião, a diretoria havia preparado uma festa para apresentar o elenco que iria disputar o Campeonato Estadual. Cheguei ao vestiário mais cedo para coordenar a entrada dos jogadores e também cumprir algo que havia prometido no treino anterior: presentear Joca com a última edição da revista Placar. Ele havia acabado de completar 43 anos de clube e a Placar publicava uma reportagem com o título “Por trás daquela roupa: conheça os reis dos vestiários no Brasil”. Joquinha era o Rei dos Reis. Com direito a duas páginas inteiras com sua foto estampada com um sorriso de ponta a ponta do rosto. Era o maior, o mais antigo roupeiro do Brasil. Que moral! Na falta de um craque, Joca era a estrela do ABC naquele início de ano.
Tenho até uma foto guardada em meus arquivos. Confesso que fiz aquilo com o objetivo de ser o primeiro a mostrá-lo a maravilha que ficou sua foto na principal revista esportiva do país. Era um feito e tanto. Joca recebeu o presente e sua primeira reação foi admirar. Não disse uma palavra. Em meio a gozações vindas dos jogadores – ultimamente estavam o chamando de Papai Noel, pois assim como o bom velhinho, ele carregava um saco nas costas, só que com bolas de futebol dentro – ele abriu um baita sorriso, que sempre lhe foi peculiar. “Obrigado, moral. Vai virar um quadro na parede de casa”. Não sei ao certo se a revista ganhou uma moldura na parede, mas tenho certeza que Joca é merecedor de várias molduras, bustos e toda espécie de homenagem que o clube possa lhe oferecer.