Há cerca de 15 anos, eu tive o primeiro contato com a questão animal. Passei a questionar se o consumo de carnes era realmente necessário e, então, resolvi virar vegetariano. No início, no auge da adolescência, lendo artigos e mais artigos de política, estava “inflado” de ativismo. Junto com uns amigos (que hoje, a maioria, nem é mais vegetariana – nada contra, claro, foi só para informar) fizemos passeatas, distribuição de panfletos, organizamos piqueniques etc.
Éramos bastante politizados em relação aos Direitos dos Animais. Como esse assunto tinha (e tem) um viés bastante político (relação de consumo, questões ambientais, só para citar os principais), acabamos tendo um “direcionamento” para a esquerda. E esse direcionamento fez com que eu tivesse acesso a outros problemas. Um deles foi a descriminalização do aborto. Meti a cara para estudar sobre o tema. Na época, a rede social Orkut estava no auge e lá tinha uma comunidade sobre o tema e todo dia eram discussões, debates, troca de informações, textos, enfim, um acervo riquíssimo no assunto – que foi perdido com o banimento da comunidade (que sempre era apagada após denuncias de apologia ao aborto).
Ao mesmo tempo que estava completamente articulado com a descriminalização do aborto, passei a questionar se meu ativismo vegetariano era verdadeiro. Ora, como eu poderia ser contra à matança de animais e, ao mesmo tempo, a favor da matança de fetos? Seria um especismo às avessas? E se eu fosse contra à descriminalização do aborto? Estaria sendo a favor da morte de mulheres.
Esse dilema me perseguiu por alguns anos até que decidi escolher um lado e não ficar mais em cima do muro. Amo os animais, sou vegano, mas não consigo ignorar a morte de mulheres em relação ao aborto. Por conta disso passei a suprimir a causa animal.
Fui acusado por ativistas dos direitos dos animais de ser “acomodado” por não participar das manifestações. Certa vez, após um desses atos, comentei que a “Revolução Vegana” é uma revolução burguesa. Quase fui apedrejado. No outro dia, saiu uma matéria num jornal sobre o ato. No final, havia o comentário de uma pessoa que passou na frente do ato e disse mais ou menos assim: “Eu acho legal isso de não maltratar os animais, mas e o leite? O que eu vou dar pros meus meninos de manhã?”. Quando comentei isso, muito dos que me criticaram, se calaram.
Por outro lado, falando em relação ao aborto, mulheres morrem todos os dias tentando fazer aborto. Mulheres pobres morrendo com o famoso “chá” ou mesmo enfiando em seus úteros cabides ou mesmo arame farpado; mulheres de classe média alimentando o mercado negro de Cytotec (medicamento para tratamento de úlcera, mas que é usado como abortivo) e de clínicas clandestinas. Enquanto isso, mulheres ricas abortando a bel prazer em clínicas de reprodução assistida (Fertilização In Vitro) – nunca vi um grupo pró-vida fazendo manifestação na frente de uma. A luta pela descriminalização do aborto não é somente uma luta para evitar mortes de mulheres; é também uma luta contra a opressão que elas sofrem diariamente.
Enfim, para mim, a vida de uma mulher vale mais que a de um animal.