Por Ângelo Menezes
(Mestrando em Direito Constitucional e Professor Colaborador da UFRN)
Como diria Antônio Gonçalves da Silva, nosso saudoso Patativa do Assaré: “Eu sou de uma terra que o povo padece / Mas não esmorece e procura vencer. / Da terra querida, que a linda cabocla / De riso na boca zomba no sofrer / Não nego meu sangue, não nego meu nome / Olho para a fome, pergunto o que há? / Eu sou brasileiro, filho do Nordeste, / Sou cabra da Peste!”.
Escrevo essa pequena crônica na segunda pós-eleições. Parece, contudo, que meu encontro com Morfeu entre a madrugada do domingo e a manhã da segunda durou, na verdade, algumas décadas e, no final das contas, eu fui transportado para alguma sociedade pós-apocalíptica demarcada por um verdadeiro retorno ao Estado Natural hobbesano.
Dormi em uma sociedade demarcada pelo fortalecimento do seu pluralismo político; pelo amadurecimento do debate político nos mais variados estratos da sociedade; pela oposição de dois projetos de governo que representavam diferentes perspectivas sobre as prioridades brasileiras para os próximos quatro anos, dos quais somente um poderia sagrar-se “vencedor”.
Acordei em uma sociedade demarcada por outra coisa que não o absoluto xenofobismo – para os que acreditam que a terminologia é impactante ou hiperbólica, lembro que “Xenofobia – s.f. […]Hostilidade, receio, medo ou rejeição direcionados às pessoas que são estranhas ou incomuns ao meio em que se vive. (Etm. xen(o) + fobia).”.
Por vezes, ao longo da minha vida, especialmente nos últimos meses, eu cheguei a acreditar que determinados discursos eram provenientes, unicamente, de uma inobservância aos preceitos constitucionais, fundamentais e, sobretudo, humanos, irradiados da nossa Carta Magna.
Na sociedade em que acordei, contudo, depois de um passeio matinal pelas vielas das timelines facebookianas, conclui, sumariamente, que faltam aos interlocutores desses discursos, solidariedade, amor, humildade e, principalmente, humanidade.
Muitos desses mesmos interlocutores fazem uso indiscriminado da expressão que estereotipa o estigma de que os “direitos humanos são para humanos direitos”. Diante de um discurso arraigado de tanto ódio e xenofobia, sem qualquer fundamento (e não que exista qualquer fundamento que legitime esse tipo de discurso), me indago quem são os humanos direitos sob a perspectiva dessas pessoas.
As eleições de 2014 ficarão marcadas na memória de muitos. Em parte, pela mobilização de setores que não iam às ruas há tempos. Pela retomada do aprofundamento dos debates políticos nas rodas de conversas informais. Pelo amadurecimento da jovial democracia brasileira.
Ficarão também marcadas, na memória de muitos, a incitação ao ódio, os discursos separatistas, pelo completo sectarismo e pela a retomada de um verdadeiro sistema inquisitorial por alguns meios de comunicação.
Ficará, para mim, especialmente marcada a visão sobre a democracia que existem em alguns setores da nossa sociedade: durante décadas (até ontem, para ser mais preciso), amplamente aceita e resumida (ainda que erroneamente) ao mero exercício do sufrágio; repentinamente, hoje, motivo de “luto” (que expressão mais infeliz para designar a insatisfação com a “derrota” do seu projeto político-ideológico) para muitos.
Mas diferentemente do que se pode imaginar, ao invés de um discurso rancoroso, eu apenas espero acordar em um mundo tal como no final do “dia depois de amanhã”. Onde mesmo depois de um dia quase apocalíptico como foi essa segunda feira, haja espaço para um novo começo; onde as divergências fomentem a construção de um Brasil melhor, onde respeito coexista independentemente do espaço geográfico por você ocupado; onde, principalmente, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária deixe de ser encarada como uma mera norma programática e passe a ser o combustível para que cada brasileiro ocupe os espaços existentes, atuando na condução e gestão da vida pública.
Quero acordar em uma sociedade onde as pessoas entendam, como diria Bertrand Russel, que “o amor é sábio e o ódio é tolo.”.
Mais amor, sempre.