Um dos fenômenos que mais nos chama atenção na sociedade contemporânea são os reflexos de comportamentos oriundos das redes sociais. Convida-nos para importante reflexão sobre seus efeitos no cotidiano, prática interpessoal, construção de identidades e valores.
Os comportamentos mais comuns assistidos em redes sociais não são gerados pela tecnologia propriamente dita, mas sim pelas condições internas de seus usuários. O que é bem determinante é exatamente como os indivíduos se veem, como querem ser vistos e como constroem suas imagens públicas.
Os sujeitos sociais contemporâneos logo reconhecem que a aparência e a capacidade de consumo são determinantes para serem valorizados e respeitados em seus grupos. Fomentados por baixa capacidade de reflexão e miséria psíquica, usufruem das redes sociais como ferramenta perfeita para CONSTRUÇÃO de suas imagens, que contrastam violentamente com sua vida real, concreta e rejeitada.
A visibilidade e aparência nas redes sociais são tão determinantes para sustentação interna (frágil e fantasiosa) dos sujeitos sociais que muitos pensam: “Se não sou visto é porque não existo!”. Então, nos faz refletir que indivíduos, ao invés de procurarem sustentação pessoal interna, buscam construir suas identidades e valores a partir do olhar e aplauso do outro.
A evasão de privacidade é que tem prevalecido nas redes sociais. O que nos faz perceber o quanto falta de senso de preservação de seus usuários, como banalizam sua própria vida pessoal como uma forma de afirmação e busca por agregação que são incapazes de construir com pessoas da vida real.
Podemos refletir a partir de um viés psicanalítico: a carência, autorrejeição e vazio interno vão determinar o processo de buscar fora (redes sociais) o que não se encontra por dentro. O inconsciente e seus mecanismos são responsáveis pela repetição, fazendo com que o indivíduo declare: “Só agora consigo perceber que passei este tempo todo reproduzindo esta imensa engrenagem e sem saber a pessoa que realmente sou!”.
As relações estabelecidas no mundo virtual acabam por “encurtar” o percurso da emoção humana, desviando-os das implicações de relações interpessoais concretas (diferenças, dúvidas, dores, frustrações, alegrias, conflitos, etc). Evitam-se exatamente os elementos humanos que proporcionariam integridade e os fariam crescer emocional e afetivamente.
A realidade de um EU inconsistente (fraca individualidade e vulnerabilidade aos apelos da cultura de massas) é a do ser social que não consegue construir e manter uma identidade sólida capaz de lhe garantir coerência e segurança em sua prática interpessoal. Por isso, será incapaz de resistir à tentação de construir imagens artificiais de si mesmo e poderosos enfeites de sua realidade interna miserável.
É muito comum indivíduos que são sustentados internamente pela fantasia. Evitar a realidade é uma espécie de “tática de sobrevivência”. As dores e inquietações pessoais são postas de lado e transformadas em exposição narcisistas e contraditórias.
As imagens pessoais postadas nas redes sociais nos convencem da importância das aparências e da doentia busca por visibilidade. Por favor, “vejam os lugares que frequento, as minhas belas companhias, quanto sou sofisticado, chique, gostosa, erudito. E não esqueçam de aplaudir e elogiar, pois é nisso que me sustento!”.
Numa diversidade de universos e tipos pessoais, observamos que alguns (os “estranhos”) que usufruem das redes sociais (sem postar fotos) para postagens de incentivo ao discernimento, espiritualidade (nada haver com religiosidade alienada tão comum), crescimento pessoal e inteligência, não recebem muitas “curtidas” e são praticamente ignoradas. Ao contrário das postagens que exibem a alegria de plástico, a falsa festividade e “felicidade” alheia: os restaurantes, as viagens, as gatas, as roupas e a bela aparência.
O que se observa é que as inquietações particulares com aparência, baixa autoestima, solidão e desamparo são depositados e projetados em postagens nas redes sociais. Ou seja, busca-se nas redes o que não se consegue em relações interpessoais concretas, que são caracterizadas (como frequência) pela miséria, frieza, indiferença, intolerância e desumanização.
A precariedade pessoal é resultante de uma péssima relação do indivíduo consigo mesmo e com as conexões sociais que o tempo inteiro impedem as individualidades, lançando as armadilhas homogeneizadoras. Causadora de terríveis conflitos, que fazem com que o indivíduo não consiga reconhecer em si mesmo uma PESSOA, mas sim uma peça “utilitária” que vive em função do olhar alheio (“o que o outro diz é mais importante do que eu sinto!”).
Por trás das postagens de imagens artificiais (perceptíveis em sorrisos forçados e semblantes tristes), está a autorrejeição, a tristeza frequente, sensação de vazio, compulsões, insegurança, medo de falar em público, o uso de medicação de tarja preta, falta de controle dos impulsos, olhar inexpressivo, transtorno psíquico, surtos e comportamento explosivo. Cada sujeito em seu contexto, pois nos referimos aos tipos comuns, independente de classe social.
Importante lembrar que esta reflexão parte dos tipos sociais comuns tão disseminados nas redes sociais. Sem generalizações. Pois é extremante urgente que os indivíduos pensem em suas projeções sociais diante de sua realidade psíquica, diante de suas inquietações e conflitos.
Um valioso acréscimo para discussão do tema é esta entrevista com o psicanalista Contardo Calligaris: http://info.abril.com.br/noticias/internet/facebook-nao-criou-um-novo-tipo-de-relacao-diz-calligaris-21062012-27.shl