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Quando se atribui ao outro seus próprios impulsos inaceitáveis

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igualUmas das questões mais curiosas à ser observada nos grupos humanos, regidos por categorizações, ajustamentos, repressões, hierarquizações culturais e estéticas é o que conhecemos em psicanálise como projeção. Um mecanismo de defesa , em que o sujeito procura expulsar seus incômodos internos apontando, criticando ou localizando no outro.

Os tipos mais comuns nos grupos sociais vivem se denunciando, quando exagerada e repetidas vezes apontam um “defeito” e o que incomoda no outro. Por exemplo, quando sujeito repete várias vezes, para o seu grupo (religioso, escolar, corporativo, familiar), que o seu colega só pensa em sexo.  Mas, que na verdade, por conta de seus princípios morais repressores, acha inaceitável e incomodo pensar em sexo e por isso (inconscientemente) acaba por apontar e criticar no outro a “imoralidade” de só pensar em sexo.

Um tipo bastante corriqueiro no universo machista é o cara que tem namorada ou esposa, mas que tem relações (paralelas e clandestinas) com homossexuais, mas pelo fato de sua participação da relação ser ativa (não permite jamais ser penetrado), não se assume como tal. Por isso, afirma de forma raivosa: “Sou homem!”, mas que as manifestações homofóbicas são violentas e constantes (até apoiando crimes contra os mesmos). Numa clara denuncia do desejo de expulsar de si próprio a “imundície”, “anormalidade” e “imoralidade” apontadas no outro.

A expressão deste tipo de mecanismo de defesa (projeção) no cotidiano não é tão óbvia e explicita, pois os sujeitos sociais são regidos pelo inconsciente em suas ações. Principalmente os tipos sociais que vivem em conflito, carregam culpa pelos seus desejos e sentimentos, os que vivem se “purificando”. E paranoicamente exibindo-se em  demonstrações chulas de correção e “limpeza” impregnados de discursos artificiais e raivosos contra as “imoralidades”.

PROJEÇÃO: No sentido propriamente psicanalítico, operação pela qual o sujeito expulsa de si e localiza no outro – pessoa ou coisa – qualidades, sentimentos, desejos e mesmo “objetos” que ele desconhece ou recusa nele. Trata-se aqui de uma defesa de origem muito arcaica, que vamos encontrar em ação particularmente na paranoia, mas também em modos de pensar “normais”, como a superstição. ( Laplache e Pontalis, Vocabulário da Psicanálise, 2008, p.374. São Paulo: Martins Fontes).

 

Sujeitos sociais que nem mesmo conseguem ser livres para pensar e sentir, escravizam-se com a preocupação do olhar e opinião alheia. Carregam a incapacidade de conhecer e administrar suas próprias emoções (medo, impulsos, ansiedade, afeto, etc), transformam-se em tipos doentios e cobaias perfeitas para o maquiavelismo daqueles que prometem a salvação e purificação.

A infelicidade coletiva, o desespero, compulsões, os transtornos, a miséria psíquica e a depressão em massa precisam existir. Pois é a partir daí que os discursos de promessa de salvação e felicidade vão se sustentar e ganhar consistência. E é claro que os discursos estão sempre apontando a “desgraça”, “defeito” e “imoralidade” nos outros!

Situações comuns também, quando o violento policial negro diz para meliante: “vai apanhar seu preto safado” ou quando o porteiro negro aponta o elevador de serviço para cidadão negro, logo que chega à recepção do edifício. Os elementos subjetivos que determinam a conduta discriminatória destes homens são baseados na visão que tem de si próprios, não conseguindo aceitar que homens da sua cor estejam em posições sociais diferentes do que as que foram “reservadas” para eles (pobreza, marginalidade e violência). Por isso, a reação violenta do policial com alguém de sua classe social e cor e a falta de condição do porteiro negro em entender que aquele outro cidadão negro pode ter outro nível de escolaridade e melhores condições sociais.

Alguém pode perguntar: mas pode um homossexual ser homofóbico? Um negro não gostar de negros? Um pobre odiar pobres? Sim!! Os mesmos não são “oprimidos” estáticos e inanimados que não fazem parte da cadeia de relações de poder. Pelo contrário, como todos os sujeitos sociais, são disseminadores e reprodutores de valores discriminatórios e autoritários. Pois a repulsa é direcionada para as representações sociais que carregam (enojam-se inconscientemente por isso), e desejam expulsar, atribuindo e  projetando para o outro, que é sempre “imoral”, “anormal” e doente.

Vamos lembra  que são os pobres que os mais se locupletam sadicamente com os programas policiais que exibem criminosos (com frequência:  pobres, baixa escolaridade, pardos e negros),alimentando os estigmas de cor e classe social. E num desejo de livrar-se e expulsar de si as marcas que lhe conferem um lugar: pobreza e pele parda/negra (disse uma apresentadora chula diante de um criminoso: “Olha para o tipo dele…esse tem cara de bandido!”).

Curiosamente também são os mesmo os que mais contemplam as publicações e os programas de TV que exibem o cotidiano dos ricos e de “gente bonita” (com frequência: corpos brancos e magros). Os personagens chiques, europeizados e sofisticados são suas referências estéticas e comportamentais. Um mundo imaginário e desejado que fomenta mais autorrejeição naqueles que vivem à projetar no outro as suas repulsas internas.

Importante lembrar que gay, negro, pobre, gordo, rico, bonito, feio, hetero são representações sociais que marcam os corpos dos sujeitos, são categorizações e hierarquizações criadas pelas relações de poder que acabam por se naturalizar/cristalizar nos hábitos, tradições e reproduzir-se no inconsciente coletivo (ver sociedade indiana pós regime de castas). Principalmente em grupos sociais que prevalece o poder de capital e que as pessoas precisam se adaptar para serem aceitas e fugir de qualquer uma das categorizações que a classifiquem como estranhas, anormais ou rebeldes.

Os sujeitos sociais em suas construções identitárias, subjetivas e psicossociais vão criar mecanismos de defesa, como a projeção, que vai denunciar o conflito entre os desejos e a necessidade de adaptação. Sujeitos estes que, com um EU inconsistente e manipulável vai “denunciar” seus impulsos inaceitáveis apon