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Demasiadamente mulher

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Por Beatriz Nagel[i]

Acredito na teoria de que ao nascermos somos seres tão livres quanto qualquer outro animal da natureza, nos diferenciando por, além da capacidade de raciocínio, a capacidade de ser domesticado como nenhum outro! Somos lapidados a partir dos primeiros meses de vida, até sermos julgados seres capazes de responder pelos nossos próprios atos, até nos julgarmos bem formados e independentes (não sei quê, afinal somos a cada dia mais dependentes, uns dos outros, da tecnologia…

unnamed (1)Como mulher, tive essa domesticação de modo mais repressor e segui feliz a todas as regras da sociedade, claro, até perceber que poderia sair desse regime e seguir minhas próprias vontades. Fui feliz com meus vestidos amarelos de rosinhas vermelhas, com meus sapatos, meus lacinhos, minhas bonecas, meus brinquedos de cozinha e até mesmo com minha magreza. Na adolescência, fui muito feliz quando fiz minha primeira sessão para alisar o cabelo, quando fiz as unhas pela primeira vez, quando aprendi a fazer minha própria chapinha e a me maquiar. Fui feliz ao notar que estava dentro dos padrões de beleza que apareciam nas novelas, nos outdoors e nas revistas que lia.

Mas toda essa felicidade foi se esvaindo quando comecei a olhar para os lados e ver que as garotas gordinhas são discriminadas, que as que não se maquiam são vistas como desleixadas, ao ver moças de pele negra usando pó mais claro que a pele para não ser discriminada nos ambientes que frequenta, e até mesmo ao não aguentar mais fazer chapinha para parecer a moça da propaganda e ser notada na balada. Fui feliz até me questionar “porque meninos não podem brincar de boneca?”, “porque preciso alisar o cabelo para parecer bonita?”, “porque preciso ser magra pra ser bem vista?”, “porque tenho que ser igual e seguir todas essas regrinhas feitas para determinar quem é aceitável na sociedade e quem não é?”

Depois de perder todo o encanto e encarar a realidade do mundo feminino, percebi que nem toda mulher possui essa vaidade retratada como característica “de mulher”, e que sim, há homens com todo esse cuidado com si próprio e são taxados de homossexuais por isto. O fato é que fomos não só domesticados, mas presos em padrões restritos de comportamento desde a infância, que nos põe em condições de auto repressão, nos tira a liberdade em que nascemos.

                No dia em que cansei os braços na chapinha, decidi que não precisava mais daquilo, libertei meus cachos, e com eles toda minha liberdade de ser quem eu sou e me mostrar à sociedade da forma que eu me sinto bem, e não da forma que ela me aceitará melhor. Assumi minha negritude, meus “quilinhos à mais”, meus tênis, minhas calças e seja lá o que eu estiver afim de me vestir.

Permaneço mulher porque o que visto, o meu cabelo ou minhas unhas mal feitas não definem o que sou, permaneço me maquiando ou vestindo meus vestidos porque GOSTO e me sinto BEM, assim como permaneço lutando todos os dias para que mais mulheres como eu se libertem dessas amarras e passem a fazer o que gostam, não o que lhes foi determinado. Assim como todos os outros gêneros não devem ser julgados por tais padrões, mas pelo que são, afinal, somos seres humanos livres e não precisamos ser iguais.



unnamed[i] Beatriz Nagel é uma revolucionária mirim, feminista, negra de cabelo enroladinho. Casada com a engenharia, porém, amante do jornalismo e encantada com a sociologia, se mete a escrever nas horas vagas. Viciada em ironias e um desastre em localização espacial, por natureza.