Necessidade de significação como condição de carismatização da imagem política de Marina Silva
Dois aspectos que considero fundamentais devem ser compreendidos acerca do fenômeno político Marina Silva. Em primeiro lugar, Marina responde às aspirações de significado de uma geração de eleitores. Desde a primeira eleição de Lula como presidente da republica, em 2002, e a eleição atual já passaram doze anos, um período bastante longo para uma renovação geracional na configuração do eleitorado brasileiro. Nesse quadro de renovação geracional, temos segmentos jovens da classe média urbana que cresceram numa época de acesso a bem-estar e dignidade.
Para essa geração a urgência não é necessariamente econômica, mais de novas ideias, novos valores e novos significados de plenitude. Algo que, ao que parece, a presidente Dilma e o governo do PT não são capazes de entender, e menos ainda, de acompanhar. Nessa geração que tem sede de novos ideais e valores que produzam adesão, não é a articulação da linguagem da dignidade na vida cotidiana que vai ser satisfatória.
Essa linguagem da dignidade da vida cotidiana ainda é muito importante sim, mas para aqueles estratos sociais geracionais que a vivenciaram como conquista de modo mais aproximado, a exemplos das classes populares. Dentre aqueles estratos sociais onde essa dignidade já está socialmente dada, a questão de urgência é outra, agora muito mais ligada aos novos ideais políticos e de valores. Para uma geração da classe média que cresceu com acesso à dignidade, suas aspirações referem-se aos ideais de autenticidade. Se uma liderança política entende e articula um discurso de promessas relacionadas a esses ideais de autenticidade, evidentemente, ela se torna uma liderança “carismática”.
E como destacado por sociólogos como Max Weber e Norbert Elias, esse é o contexto ideal para a emergência de novas lideranças carismáticas. Lideranças que não articulam simplesmente um discurso político baseado em argumentos racionais ou na “ética da responsabilidade”. Mas que articulam também uma linguagem rica de promessas de significados e de éticas da convicção. Esse é o ingrediente de avaliação forte da retórica política de Marina. Uma retórica que se apoia em “ideias-força” de promessas de significado pessoal e político.
Conforme os gráficos de desempenho eleitoral por estratos sociais vinculado pelo DATAFOLHA (http://g1.globo.com/politica/eleicoes/2014/blog/eleicao-em-numeros/1.html), confirma-se o peso estrutural da luta por autenticidade como principal aspiração de fundo na competição eleitoral deste ano. Na amostragem do DATAFOLHA, Marina ganha de Dilma justamente entre aqueles estratos sociais mais sensíveis aos ideais de autenticidade (juventude, confissão religiosa, populações urbanas e povos indígenas)
As crenças de Marina nos valores do mercado
Porém, não se pode ignorar também qual é a principal infraestrutura ideológica que tem orientado a compreensão atual de Marina sobre a justiça e o bem comum. Esse corresponderia ao segundo aspecto de compreensão da figura de Marina Silva.
Ao incorporar em seu programa político a agenda de Estado Mínimo e o estímulo ao mercado auto-regulado, Marina articula um sentido estreito de justiça identificado unicamente com a ideia de que o bem-estar geral pode ser promovido pelos livres mercados.
Essa visão filosófica da liberdade no âmago da justiça já foi duramente criticada, por exemplo, pelo filósofo norte-americano Michel Sandel. Não apenas porque ela negaria a possibilidade de outras compreensões de justiça, a exemplo da justiça identificada com bem-estar e felicidade ou a justiça identificada com o cultivo da virtude e a preocupação com o bem comum. Mas porque empobrece e bloqueia ainda mais as formas de educação cívica e de compromissos em torno de bens comuns.
Numa sociedade onde se tratam todos os bens e práticas como mercadorias, há pouco espaço na esfera pública para relações baseadas em obrigações de solidariedade e lealdade. Não que essas relações de solidariedade desapareçam completamente do tecido social, mas as mesmas se tornam exclusivas e monopolizadas apenas naquelas “comunidades locais carismáticas”, a exemplo das comunidades religiosas. Chega a ser irônico que o país mais liberal do mundo, os EUA, é também um dos mais religiosos. E que, segundo o cientista político Robert Putnam, é uma sociedade que enfrenta atualmente uma escassez de cultura cívica e de participação política. Paradoxalmente, nem Dilma, nem o PT foram capazes ainda de travar batalha política com Marina precisamente nesse território moral e ideológico, o que seria bastante enriquecedor e renovador para a política nacional.