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Lei das palmadas e as bobagens do jornalismo canarinho

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Por que no te callas, BORIS CASOY? hitler, mussuline, a lei das palmadas e outras bobagens do jornalismo canarinho 

Nas democracias liberais, defende o sociólogo alemão Jürgen Habermas, a esfera pública pode ter tanto um papel emancipatório quanto a função de dominação e alienação. No caso do campo jornalístico brasileiro, é sempre bom prestar atenção àqueles casos mais exemplares de promoção da ignorância intelectual.

Nessa semana, vimos, ou melhor, assistimos a mais uma demonstração do quanto a esfera pública pode servir para desinformar e mesmo difundir desaprendizado  moral coletivo.  Refiro-me ao comentário editorial do jornalista Boris Casoy a respeito da chamada “Lei das Palmadas”. Não bastasse esse mesmo jornalista externar “racismo” de classe em outro episódio que envolvia o trabalho dos garis, agora é a vez de evocar a memória de  Hitler e Mussolini na sua crítica contra a aprovação da Lei das Palmadas no Congresso Nacional.

imagesPois bem, segundo o ponto de vista “bem informado historicamente” do jornalista Boris Casoy, Mussolini e Hitler estariam aplaudindo a chamada “Lei das Palmadas”, uma vez que se trataria de mais um exemplo “perverso” de interferência do Estado brasileiro na esfera privada, ou melhor, na família. A exemplo da Lei Maria da Penha que serve para ferir de morte o ditado popular “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”, agora mais uma lei permite que o Estado e seu aparelho legal de repressão meta a colher também na maneira de nossas famílias de bem criam seus filhos.

Em primeiro lugar, é preciso dizer que esse tipo de raciocínio tosco é típico de quem pensa o mundo e as instituições de modo substancializado, sem considerar a dimensão relacional e histórico que nós estabelecemos com as instituições. O esquema mental dualista impensado pelo nosso jornalista experiente poderia ser resumido basicamente assim: “Estado/autoritário/mau x família/liberal/bom”. Nesse esquema fixo, com efeito, não há espaço para pensar concretamente outras formas empíricas de estruturação dos termos no dualismo acima mencionado. Porém, muitas vezes, um determinado modelo de realidade é bom para solucionar questões de exigência lógica, porém ruim para explicar a lógica prática do mundo real. Só na cabeça de uma pessoa desconectada de consciência histórica e sociológica evocaria Mussolini e Hitler para pensar a relação entre o público e privado nas democracias liberais contemporâneas. Como se o direito liberal contemporâneo falasse a mesma linguagem do “direito” nazi-fascista. Talvez pudéssemos encontrar similaridades no período militar do Estado brasileiro, o que fosse esse caso, então poderíamos interpretar o discurso de Boris Casoy como um caso exemplar de “ato falho” ou de verbalização de um desejo inconsciente de volta ao passado.

De concreto mesmo, ao contrário do que pensa Boris Casoy, Mussolini e Hitler jamais aplaudiriam uma lei de natureza liberal que normaliza o modo de educação das crianças.

Ora, nada mais distante do “poder disciplinar” de tipo militarizado, advogado e idealizado tanto por Mussolini quanto por Hitler. A questão do disciplinamento dos corpos era fundamental na “biopolítica” do Estado nazi-fascista e de qualquer outra variante histórica do Estado Totalitário. Por isso a educação militar era a referência primeira na pedagogia infantil nesses regimes de poder. Hilter, por exemplo, defendia uma educação espartana (“desobedeceu, a chibata comeu”) e cobrava isso das famílias alemãs. Daí a ênfase no regime de práticas onde as crianças tivessem disciplina, chegando ao extremo de exigir o uso de vestuário adulto ou fardamento militar.

Sendo assim, um Estado que diz que qualquer agressão física de crianças é passível de punição legal vai na contramão do ideal nazi-fascista militarizado, pois contribui ainda mais para enfraquecer o caráter de “Instituição Total”, tal como foi a “família” até a primeira metade do século XX – e que vai ser alvo do conteúdo da crítica estética articulada pelos movimentos de maio de 1968, por exemplo. Certamente, Hitler e Mussulini enxergariam numa Lei de cunho liberal em relação a educação familiar infantil, o germe da futura “desobediência civil”, e claro não aprovariam JAMAIS esse tipo de lei.

De tudo isso fica pelo menos, a velha lição habermasiana do duplo trânsito de forma de esfera pública moderna: entre o potencial emancipatório possibilitado pelo debate moral e reflexivo coletivo e o potencial de barbárie possibilitado pelo cultivo da ignorância histórico-social e da razão cínica midiática.