Posfácio Sobre a Mortandade de Jovens no RN
Por Ivenio Hermes
Dentro do Rio Grande do Norte duas cidades distantes entre si por cerca de 276 quilômetros, sofrem com o crescimento desproporcional da população em relação às políticas estaduais conjuntas que determinam a qualidade de vida de um município. São elas Natal e Mossoró.
Embora alguns discordem quanto aos limites etários que determinam a juventude, legislações, institutos de pesquisas, dentre eles o IBGE e organismos internacionais, tomam como base para seus estudos, a idade de 29 anos, daí o direcionamento de nosso filtro para entender a sanha homicida direcionada à juventude. Portanto, seguindo essa tendência, consideramos jovens ou juventude aqueles na faixa etária até 29 anos, e adultos, aqueles com idade superior a 29 anos.
A Noiva do Sol
A capital potiguar, conhecida como a Noiva do Sol, está em luto constante pela perda diária de sua população jovem, pois está acontecendo uma dizimação na juventude.
Em todas as zonas da cidade de Natal percebe-se que o número de homicídios de jovens, ultrapassa o número de homicídios de adultos, e os homicídios privilegiam a população periférica e locais onde a presença ostensiva inibidora da polícia não é sensivelmente maior do que a da ação criminosa. As zonas norte e oeste, que se tangenciam no mapa da cidade do Natal, são responsáveis por 72% dos crimes violentos letais intencionais na Cidade do Natal.
Pode ser facilmente percebido a estratificação e distribuição da violência homicida quando analisamos percentualmente os dados: dentre os cvli cometidos contra jovens, 45% deles, se concentram na zona norte da capital. Em seguida temos a zona oeste com 31% dos casos. Somente essas duas zonas administrativas juntas, somam quase 76% de todos os homicídios ocorridos contra a população jovem.
São nessas mesmas áreas que encontramos predominância de assassinatos na população adulta, as zonas norte e oeste, com 27% e 39% respectivamente, mas em contrapartida, observamos uma diluição para outras regiões, leste e sul, com 14 e 16%, nesta ordem, o que nos leva a crer que os cvli ocorridos contra pessoas dessa faixa etária, se equilibram em concentração com ligeira acentuação na zona oeste.
São 5 os bairros mais violentos de Natal no número total de homicídios de jovens, 4 deles estão localizados na Zona Norte: Lagoa Azul, Nossa Senhora da Apresentação, Pajuçara e Potengi, com 19, 18, 15 e 12 cvli, respectivamente. O único bairro fora deste setor, Felipe Camarão, está localizado na zona oeste. Portanto, depreende-se que a mortandade de jovens se concentra nesses bairros e zonas da cidade.
Os números percentuais relacionando o total de ocorrências de crimes de homicídio contra jovens e o total geral na capital potiguar, provoca o seguinte escalonamento:
Lagoa Azul 7,50%
Nossa Senhora da Apresentação 7,11%
Felipe Camarão 6,32%
Pajuçara 5,92%
Potengi 4,74%
Outros bairros também merecem destaque na violência homicida contra jovens por terem, nesses cinco primeiros meses de 2014, um número elevado de ocorrências e um índice de incidência maior que 50% do número de homicídios de adultos. São eles, Redinha (5 jovens para 7 adultos), Igapó (7 para 8), Lagoa Nova (6 para 9) Ponta Negra (3 para 4), Mãe Luíza (6 para 7), Alecrim (4 para 7), Dix-Sept Rosado (6 para 8), Guarapes (3 para 5), Planalto (10 para 14) e não podemos esquecer Santos Reis e Cidade Alta com 2 jovens para 2 adultos…
Há uma reconhecida baixa na qualidade de vida desses bairros em relação à segurança.
Tirinete de Balas
Tirinete de Balas, jargão do jornalista Cezar Alves para informar cada ocorrência envolvendo disparo de arma de fogo, resultando em vítimas, é o título mais apropriado para denominar a violência homicida generalizada em Mossoró. Nesses cinco meses e 2 dias, o maior município do Oeste Potiguar, que já deveria ser tratado como Metrópole haja vista a séria influência que possui e sofre em relação aos municípios circunvizinhos, já atingiu a marca de 121 tentativas de homicídios.
Segundo a última atualização do IBGE, Mossoró possui mais de 50 áreas de concentração habitacional, que muitas vezes são confundidas com bairros, mas que fazem parte de 25 bairros distribuídos em 5 zonas. Além disso, a zona rural é muito grande, com pequenos povoados ligados por estradas carroçáveis, cujo mapeamento é necessário para facilitar o trabalho da polícia.
Numa região assim, implementar políticas de segurança pública sem o aporte estrutural de uma metrópole é muito difícil.
O percentual dos crimes contra a população adulta está bem distribuído em 3 das 6 zonas, considerando também a zona rural, local foco de incidências homicidas. A zona Sul da cidade concentra 28% dos cvli, seguida das regiões norte e oeste com 20% cada. Já aqueles cometidos contra jovens, há uma concentração na área urbana da cidade, pois das 6 zonas, 4 se intercalam na escala e posição de maior registro de homicídios.
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Norte 26%
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Sul 23%
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Leste 21%
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Oeste 14%
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Rural 11%
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Central 05%
Pormenorizando a incidência nos bairros, verificamos que os bairros de Santo Antônio, na zona norte e Belo Horizonte, na zona sul, são os líderes das ocorrências de homicídios do município. No primeiro, dos 13 homicídios registrados, 10 foram contra a população jovem e no segundo bairro, do total de 7 assassinatos, 4 deles foram de jovens.
Na sequência aparece Bom Jardim, com 5 homicídios no total, sendo 2 contra jovens. E para contribuir com a insegurança que assola Mossoró, 5 bairros, distribuídos entre as diversas zonas, se revezam na 4ª posição nessa escalada de crimes contra a vida. Três bairros estão na zona oeste: Abolição, Santa Delmira e Vila Maísa. Os outros dois, um bairro fica na zona sul: Aeroporto e o outro bairro na zona leste: Planalto 13 de Maio.
A peculiaridade da violência homicida contra a juventude em Mossoró vai além. A proporção de assassinatos de jovens em relação à população adulta nos apresenta os sintomas alarmantes da decadência dos entes governamentais, da família, da religião e por conseguinte da segurança pública.
No período estudado, 153 dias, já aconteceram 82 assassinatos, isto é, um homicídio a cada dois dias, mas o único bairro com expressividade em número de jovens assassinados é Santo Antônio, dos 13 assassinatos ocorridos 10 eram jovens.
Notemos como se apresentam os números de homicídios de jovens em relação ao de adultos nas zonas de Mossoró:
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Norte 15 jovens para 5 adultos
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Sul 13 jovens para 7 adultos
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Leste 12 jovens para 2 adultos
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Oeste 8 jovens para 5 adultos
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Rural 6 jovens para 4 adultos
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Central 3 jovens para 2 adultos
Os tirinetes de balas não cessam e a juventude da Capital do Oeste Potiguar vai sendo dizimada sem piedade e sem intervenção de uma segurança pública multidisciplinar que vise mudança de paradigmas nos entes governamentais.
Elegia
A convivência com o medo e com a insegurança já começa a modificar o comportamento dos habitantes de Natal e em Mossoró esse comportamento já está modificado. Nos bairros mais periféricos, onde antes havia paz e sossego, hoje habita o temor.
O medo provoca reações diversas, enquanto uns buscam proteção, outros se expõem mais ainda, a uns afugenta e em outros provoca a ação de enfrentamento. Entretanto, em todos, diante do viver em insegurança, receosos da ação vindicativa oriunda do preconceito e contra pessoas estigmatizadas ou suspeitas, gera a violência contida, anulando o homem urbano pacífico, agora um ser amedrontado, arredio e imprevisível.
A população jovem, mais suscetível às influências do meio e de outros jovens e adultos de seu território, está em franca desvantagem contra uma sociedade que a vê como causadora de problemas e esquece que a falha das instituições familiares e num senso organizacional maior, das instituições pública estaduais, está passível de sucumbir ante a força exterminadora de suas vidas.
O menino da foto era Gledson Douglas da Silva Félix, tinha 13 anos de idade quando foi assassinado dia 27 de maio de 2014 em Mossoró, a terceira criança a tombar vítima de bala perdida no faroeste urbano que está manchando os solos norte-rio-grandenses em 2014.
Embora Gledson não tenha sido carimbado com a pecha do envolvimento, sua vida foi encerrada precocemente, mas não é precoce encerrar qualquer vida? Não um bem precioso demais para que seu prazo de validade se encerre rotulado por qualquer motivo que não seja vindo da natureza?
Que a morte volte a causar repulsa, principalmente naqueles que detêm o poder de intervir, de fazer a diferença, para que reconheçam enquanto é tempo, que a licença para matar é que está vencida e o Rio Grande do Norte precisa de paz!
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SOBRE O AUTOR:
Ivenio Hermes é escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves, ativista de direitos humanos e sociais e pesquisador nas áreas de Criminologia, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial.
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DIREITOS AUTORAIS E REGRAS PARA REFERÊNCIAS:
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HERMES, Ivenio. Análises da Violência Contra Jovens em Natal e Mossoró. Disponível em: < http://j.mp/1kABkcU >. Publicado em: 02 jun. 2014.