Por Ivenio Hermes
Notas sobre a violação e abuso cometidos contra crianças e adolescentes se tornam cada vez mais audíveis na realidade atual.
O Oeste Potiguar reviveu o flagelo da calamidade da desestruturação familiar que propicia toda sorte de crimes, dentre eles, aqueles mais difíceis de serem constatados e coibidos, pois ocorrem dentro dos lares sob o silêncio de uma criança fragilizada e submetida à violação de seus direitos.
O crime tende a se enraizar nos lugares onde ele não é combatido e nesse caso, acrescentamos as variáveis sociais como a situação econômica, a acessibilidade à educação, a desestruturação familiar, etnia, religião, e outras.
A violação dos direitos das crianças e adolescentes tem se proliferado tanto em lares periféricos quanto em lares privilegiados, mostrando que essa prática remonta os fundamentos da formação social e familiar. Sobremodo, em lares mal formados, sem controle de natalidade, com excesso de pessoas em ambientes pequenos, facilitam um convívio com adultos desvirtuados e abusadores.
O caso do agricultor da zona rural de Apodi, homem de 34 anos que abusava sexualmente de suas filhas adolescentes, traz sobre a sociedade potiguar o eco abafado de lugares onde o Estado se encontra ausente. O pai abusador só teria sido preso porque a mais velha das irmãs, ao abandonar sua casa para fugir dos abusos, percebeu que sua outra irmã se tornara a nova vítima, o denunciou.
A agressão física, o abuso e a exploração sexual são crimes que começam e são grandemente observadas nos lares, principalmente aqueles de maior suscetibilidade social. A negligência do Poder Público, que inicia na educação, passa pela segurança pública e termina na saúde, transversalmente envolvendo diversos serviços essenciais que deveriam ser prestados, inclusive acompanhamento de assistência social e psicológica, fazem desses crimes uma prática costumeira e contumaz. Onde maior for a impunidade, mais continuada será sua prática.
“Pajé”, como é apelidado o agricultor, confessou que mantinha relações sexuais com as duas filhas há quase quatro anos, ou seja, desde que elas tinham 13 e 14 anos, respectivamente. No absurdo de sua fala, o homem disse que elas permitiram, por isso não era à força, aparentando completa ignorância da autoridade e força que a condição de pai lhe dava.
Estarrece o fato de que a mãe das Garotas de Apodi, sabia dos abusos e continuava levando normalmente sua vida conjugal com o abusador de suas filhas, segundo ela, por medo que acontecesse “alguma coisa” com as meninas, aduzindo possivelmente algo pior do que o estupro das meninas vulneráveis.
A prática dessa modalidade de crimes é aumentada pela falta de acesso à segurança, em todas as suas formas, onde a vítima é “revitimizada” pelo próprio Estado, algumas delas entronizam o problema de tal forma que o repetem ao se tornarem adultas, repetindo a agressão que sofreram e/ou entrando numa vida de promiscuidade e prostituição.
Suscetibilizado pela falta de educação, a população é bombardeada pela banalização do erotismo, pela violência gratuita, pelas imposições de uma sociedade de consumo que se detém diante de programas levianos e que transformam problemas em anedotas, fáceis de serem assimiladas pelas futuras vítimas e vitimizadores que estão sendo formados pela inação do Estado.
O recente ato da Presidente Dilma Rousseff tornando hediondo o crime praticado contra menores, de nada adiantará se não houver meios de prevenir que crimes desse tipo continuem acontecendo, isso porque, sem o respaldo do Estado, nenhuma lei exercerá devidamente sua finalidade, pois não se busca apenas prender, se busca em primeiro lugar evitar que a prática continue.
Contudo, nosso modelo de formação social atual privilegia a formação de adultos abusadores, e esses adultos em convívio com crianças e adolescentes, potencializam o perigo da violação e de todo tipo de crime que se origine dentro do lar.
Cada vez mais, pais saem em busca de trabalho e deixam seus filhos com vizinhos, parentes e amigos, que podem ser adultos violadores e abusadores, que desenvolvem uma relação afetiva com a criança que teme relatar os abusos e por isso se tornam mais suscetíveis de maiores abusos.
Além disso, pais abusadores ou negligentes estão mais presentes em lares mal construídos e refeitos com base nas conveniências, sem levar em consideração a situação dos filhos, e a falta de educação de qualidade, o desemprego, fazem com que crianças sejam cada vez mais deixadas em casa, à mercê da programação de TV ou de outros adultos abusadores.
Diante do problema instalado, o já negligente Poder Público deve adotar uma vigilância acirrada através dos Conselhos Tutelares, com assistentes sociais, psicólogos e outros profissionais da saúde e da segurança para reverter essa prática criminosa, que requer uma revisão dos pilares da formação social do nosso povo.
O caso das Garotas de Apodi mais uma vez escancara a ausência da mão protetora do Estado, que somente surge quando uma das crianças abusadas, agora com 17 anos, foge de casa para denunciar o abuso e pedir socorro para sua outra irmã.
Que o grito que ficou preso na garganta das Garotas de Apodi tornem-se ecos denunciadores da violação de crianças, reverberando em todas as direções e que se tornem o brado de uma sociedade que não pode mais se calar diante de qualquer violência.
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SOBRE O AUTOR:
Ivenio Hermes é escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves, ativista de direitos humanos e sociais e pesquisador nas áreas de Criminologia, Violência Homicida, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial.
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REPORTAGEM DE REFERÊNCIA:
MORAIS, Marcio. Agricultor foi preso na zona rural de Apodi acusado de abusar sexualmente de duas filhas menores de idade. Disponível em: < http://www.ocamera.com.br/site/post/6111 >. Publicado por O Câmera em: 23 mai. 2014.
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HERMES, Ivenio. As Garotas de Apodi: Ecos Denunciadores da Violação de Crianças. Disponível em: < http://j.mp/1m3ZeeB >. Publicado em: 23 mai. 2014.