O renomado cientista político, Wanderley Guilherme dos Santos, produz uma ácida crítica, dentre outros aspectos, a forma como cenários prescritivos são montados e sorrateiramente apresentados para os entrevistados por quem aplica pesquisas eleitorais.
Ao invés de perguntar ao cidadão, partindo da boa imaginação política sobre como ele irá se questionar quando estimulado pela eleição e munindo-o de informações objetivas, os institutos costumam contrabandear o efeito que gera aquilo que o sociólogo, Pierre Bourdieu, chamou de “imposição de problemática”.
É sempre bom pensar – ou ao menos tentar – a política, não pelos lugares comuns (morais e de classe) ao completo arrepio dos fatos e de fundamentos racionais, mas pelo que a ciência já tem de interessante sobre ela. É um bom começo.
Vale a pena conferir!
Da Carta Maior
Por Wanderley Guilherme dos Santos
Rompendo o tédio da rotina dos questionários elaborados pelos institutos de pesquisa, formulei seis perguntas cujos resultados me interessariam conhecer.
Pesquisas de opinião são orientadas, claro, e as eleitorais não constituem exceção. Se alguém deseja saber quem prefere maçã ou banana deve perguntar justamente isso, sem confundir o pesquisado com as opções de abacaxis e mangas. Muitas pesquisas eleitorais desorientam os entrevistados ao introduzir opções que nada mais são do que abacaxis e mangas, nomes de candidatos sabidamente estéreis no contexto eleitoral efetivo. Obtêm-se antes de tudo uma idéia da dispersão aleatória da preferência eleitoral, não as escolhas sólidas a aparecer com perguntas focadas no que está, de fato, em jogo. Mas nada impede que se investigue se o freguês é mais afeito a frutas ácidas ou cremosas – um tanto mais geral e inespecífica do que a pergunta anterior.
Com maior ou menor generalidade o que importa é que há um mundo de interrogações adequadas ao conjunto das frutas, todas legítimas, respeitadas modestas regras de lógica. Simples, mas esquecido quando os institutos divulgam seus resultados, aceitos com sagrada intimidação. Na verdade, os mesmos tópicos das pesquisas podem ser investigados por inquéritos variados, nada havendo de interdito no terreno do mexerico.
Em pesquisas de opinião são fundamentais a representatividade da amostra dos pesquisados, a correção dos questionários e, concluindo, a leitura dos resultados. É intuitivo que em uma comunidade onde 99% são religiosos o inquérito não pode concentrar-se no 1% restante, exceto se o pesquisador estiver interessado justamente na opinião da extrema minoria de agnósticos que ali vivem. Isto respeitado, tudo bem quanto à representatividade dos números.
Mas a leitura dos resultados pode ser marota. Jogando uma moeda para o ar centenas de vezes, o número de experimentos em que ao cair a moeda mostrará a “cara” tende a ser o mesmo número de “coroas”. Ignorando quando e porque acontece uma ou outra coisa, deduz-se que a probabilidade de dar “cara” ou “coroa” é de 50%, ou seja, metade das vezes uma, metade, a outra. Em certos convescotes essa peculiaridade é chamada de “acaso”.
Mas essa é uma probabilidade diferente da que indica o futuro do clima, por exemplo. As chances de que chova nas próximas 48 horas não é derivada diretamente de uma série de 48 horas do passado, mas das condições em que milhares de 48 horas foram chuvosas: umidade do ar, regime de ventos, formação de nuvens, etc. explicam com relativo grau de precisão (a probabilidade) as variações climáticas. O que justifica o probabilismo é o conhecimento das particularidades associadas ao aparecimento do fenômeno “chuva”, não o mero fato de sua repetição.
Pois a probabilidade derivada de uma série de pesquisas eleitorais é análoga à do jogo “cara” ou “coroa”, não à dos prognósticos atmosféricos. De onde se segue serem um tanto marotas as previsões de resultados eleitorais apoiadas em séries históricas, por mais extensas que sejam. A diferença é ontológica: uma eleição não é um jogo de “cara” ou “coroa”. A seguir, uma crítica, digamos, construtiva.
Rompendo o tédio da rotina dos questionários elaborados pelos institutos de pesquisa, formulei seis perguntas cujos resultados me interessariam conhecer. Aí vão:
1 – o Sr(a) prefere:
a) continuar com a presidenta atual (Dilma Roussef)
b) voltar ao governo do PSDB (Aécio Neves)
c) indiferente
2 – o Sr(a) votaria em alguém que:
a) defende a manutenção do emprego de quem trabalha
b) promete medidas impopulares
c) indiferente
3) – o Sr(a) apóia o controle nacional do petróleo do pré-sal?
a) sim
b) não
c) indiferente
4) – A oposição atual representa seu ideal de governo?
a) sim
b) não
c) indiferente
5) Em relação à distribuição de renda o Sr.(a) é:
a) a favor
b) contra
c) indiferente
6) Os atrasos na conclusão de aeroportos e estádios demonstram que:
a) a iniciativa privada não é confiável
b) há sempre imprevistos em grandes obras
c) indiferente
Escolhi agregar todos os votos “não sei/prefiro não responder”, brancos e nulos em uma única opção porque estou interessado somente nas escolhas claras. E indiquei o nome de dois candidatos na pergunta 1 porque este é o desenho do questionário e, conforme o manual da boa pesquisa, o entrevistado deve estar de posse das informações relevantes para responder corretamente. Naturalmente, os entrevistados com preferência por outros nomes ou por nenhum estariam representados na resposta c.
O diabo é que ninguém acredita que os questionários dos institutos são apenas uma aproximação do que os eleitores perguntam a si mesmos, na hora do vamos ver. Por isso suas pesquisas ao final de uma corrida eleitoral se tornam mais diretas e econômicas, reduzindo o percentual de erro. Ainda assim, por vezes o palpite estatístico é desastrosamente equivocado. É quando o instituto, ao contrário de tentar replicar o que pensa o eleitor, busca fazer com que o eleitor pense como ele. Não dá certo.