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O CERES não faz parte da UFRN? Abandono e vergonha.

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Estive recentemente no CERES-UFRN, na agradável cidade de Currais Novos. Lecionei nesse campus um módulo no curso de especialização de Educação & Direitos Humanos, durante dois finais de semanas. Foi uma experiência gratificante, uma das mais significativas em minha trajetória docente. Lá encontrei alunos dispostos, participativos, com muita vontade de aprender e debater e bastante receptivos a proposta teórica e didática apresentada. Contudo, impossível não notar e repudiar as condições em que alunos e professores visitantes ou efetivos do CERES são obrigados a enfrentar e vivenciar no seu dia-a-dia para estudar, ensinar e pesquisar. Condições que em nada se coadunam ao que deve ser uma universidade. O prédio do IFRN ao lado torna a situação do campus ainda mais vexatória para a UFRN, pois no primeiro encontramos tudo o que o CERES-CN e qualquer universidade também deveria dispor.

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Fonte: Daniella Araújo.

O contraste com o campus central da UFRN é de uma evidência vergonhosamente assombrosa. Não fosse a logomarca da UFRN e as placas que aludem aos nomes do reitores, jamais dir-se-ia tratar-se da mesma instituição. A despeito das salas de aula, pelo menos no bloco em que lecionei, serem razoavelmente estruturadas, dispondo de climatizadores, quadro-branco e Datashow – esses últimos não estavam funcionando, de sorte que, avisado com antecedência, providenciei um por conta própria e por precaução -,  todo o restante da estrutura e fisionomia do campus é lamentável e rústico. O portão de entrada do campus não está muito distante de uma “porteira” de uma fazenda qualquer; o caminho de terra batida até aos blocos das salas de aula, os casebres em ruínas, as portinholas de madeira de alguns prédios, os animais que circulam e pastam no campus reforçam a associação inusitada para uma universidade.

Ao contrário do campus central em Natal, no CERES-CN, mal se enxergam jardins ou qualquer tipo de artefato estético-artístico ou equipamento urbano voltados a convivência agradável ou com o intuito de conferir beleza ao campus. É como se lhe fosse negado propositadamente qualquer sentido de fruição, como se esta fosse uma aspiração ilegítima, um adereço inútil ou um luxo para as pessoas que ali estudam e trabalham. A arquitetura e a infraestrutura devem ser apenas bruta e funcional, sem necessidade de mais nada que eleve o bem-estar, o prazer e a sensibilidade estética dos presentes em estar naquele espaço. Como se tais ingredientes estéticos e arquitetônicos fossem apenas de direito e acessíveis a pessoas  de “espírito citadino” da capital. Aos outros, “aos do “interior”, destina-se apenas o básico.

Exceto à paisagem natural ao fundo do campus, não encontramos qualquer elemento que se dirija voluntariamente a produzir ceresbeleza e deleite aos sentidos. Estudantes, funcionários, professores e visitantes tornam-se meros transeuntes passageiros e utilitários, que lá figuram e aparecem apenas para exercer sua respectiva função (ensinar, aprender, limpar, guardar), e logo retirar-se daquele local. No campus, não há quase nada de convidativo a permanecer. Ora, uma universidade é, também, um lugar de convivência, de fruição e de sociabilidade não-utilitária; lugar de contemplação, de ócio criativo, de conversas em jardins e em praças, de trocas lúdicas e entretenimento de grupos de amizade que lá se formam. Sem esse espírito e em meio à poeira do abandono, uma universidade não se transforma numa comunidade política viva e num ambiente fértil para trocas de experiências intelectuais, políticas e afetivas para além da sala-de-aula.

Não se faz uma universidade apenas com grandes blocos de concreto e gesso dentro dos quais se encerram pessoas. Para de fato criar uma ambientação acadêmica, estimulante ao estudo e as interações, é preciso pavimentação, arborização, jardins, praças, iluminação, ruas de acesso, adaptações para acessibilidade, equipamentos esportivos e de lazer. A universidade é um lugar de fomento da vida e da agitação cultural e social; o áspero e o isolamento não combinam com ela.

Não se trata de sustentar que o mundo rural e rústico seja por si mesmo incompatível com o ideal de universidade e de educação. Não, de modo algum. Em primeiro lugar, trata-se de tornar inaceitável a desigualdade entre campus pertencentes a uma mesma universidade. É vergonhoso para a UFRN manter esse estado de coisas, condenando parte do seu corpo de alunos, funcionários e professores ao esquecimento, ao embrutecimento das formas do espaço, à rusticidade campestre que aprisiona no tempo enquanto agracia outros, na capital, com o bem-estar, o dinamismo e o deleite dos avanços tecnológicos, da beleza arquitetônica, da aprazibilidade dos espaços de convivência, etc.. No CERES, todos padecem não somente de uma exclusão e restrição às condições de trabalho que vigoram no campus central, mas, também, de uma exclusão e restrição ao bem-estar e à fruição estética do espírito e da sociabilidade que a arquitetura, as artes e os equipamentos de convivência podem oferecer.

A disparidade de infraestrutura e investimento entre os campus legitima uma percepção hierarquizante, de acordo com a qual a importância e o valor de professores e estudantes dependem da localidade geográfica, do campus em que estudam. Não se pode construir uma universidade na plena acepção da palavra com esse espírito seletivo arbitrário. A desigualdade de tratamento aniquila as condições de identificação e de comunidade. Uma universidade que se vangloria de seus enormes avanços nos últimos anos e que é celebrada nacionalmente como uma das melhores universidades do país em termos de estrutura não pode admitir em seu seio tamanha disparidade, sob o risco de que o progresso festejado e alardeado por uns se converta num insulto e numa mentira deslavada para tantos outros.

Criar e manter uma universidade não são simplesmente transplantar sua estrutura institucional e profissional e depositá-la num local qualquer. Uma universidade implica um estilo de vida, uma cultura, definida por uma atmosfera citadina, razoavelmente urbana e cosmopolita que acomoda a peculiaridade elevada de suas atividades e finalidades. Nesse sentido, a universidade precisa oferecer uma arquitetura e engenharia singulares e capazes de proporcionar aos seus participantes as melhores condições para se estimular as inteligências e, assim, fazer com que todos sintam-se motivados, confortáveis e satisfeitos de estarem ali. O abandono do CERES pela UFRN tem realizado exatamente o oposto, inibindo, com efeito, as potencialidades de professores e alunos.

A tarefa penosa e árdua de preparar vidas e pessoas para o conhecimento e o debate da realidade, isto é, para formular e tratar dos problemas socialmente relevantes do desenvolvimento da sociedade, exige conforto, bem-estar e condições aprazíveis ao desenvolvimento das faculdades do espírito e do corpo. Como formar pesquisadores, educadores e profissionais capacitados, como difundir uma cultura humanística e científica geral e sólida sem equipamentos aptos e condições condizentes com a grandeza e dificuldade de tal objetivo? Uma universidade que não é capaz de acolher e ser convidativa a permanência das pessoas fracassa de imediato em sua missão civilizatória e em sua função de socializar e integrar pessoas e inteligências.

Para a promoção da produção livre e prazerosa do conhecimento e da aprendizagem é preciso não só infraestrutura e condições de trabalho num sentido de recursos tecnológicos aptos e eficientes, mas também ingredientes e equipamentos que transformem a universidade num lugar agradável aos sentidos e à sociabilidade, um lugar em que, antes de qualquer coisa, se deseja estar e permanecer, um lugar em que o tempo e suas urgências não são sentidos como no “mundo exterior”, pois que é colocado em suspenso, posto entre parênteses em favor das atividades e do tempo do pensamento e do conhecimento.

O CERES-CN possui professores e estudantes talentosos e promissores, mas que ao terem negado as devidas condições que uma universidade deveria oferecer, em vez de motivação e identificação com a universidade, eles tem nutrido desesperança, insatisfação e revolta contra a instituição. Ao serem relegados ao abandono e ao ostracismo, a UFRN desperdiça e desprestigia esses talentos, desrespeita profundamente profissionais e futuros profissionais que poderiam contribuir significativamente a elevar ainda mais o nome dessa instituição. Urge rever e abandonar esta política dos “restos” e das “migalhas” ao CERES-Currais Novos e aos demais campus. Ela envergonha a UFRN e toda sua comunidade como um todo.