Está na pauta do Conselho Seccional potiguar da Ordem dos Advogados do Brasil requerimento de um grupo de seis advogadas no intuito de receberem a Carteira de Identidade de Advogada. Explico: o documento padrão emitido pela OAB só existe no masculino – Carteira de Identidade de Advogado.
Pode se pensar em um primeiro momento que é um pedido singelo. Insignificante, até. Os mais radicais podem dizer que é um pedido feminazi.
Mas, pensando bem, não é algo tão simples assim. Gênero, mais que uma questão gramática, é uma questão histórica.
A profissão de advogado no Brasil nasceu em 11 de agosto de 1897, com a fundação da Faculdade de Direito de Olinda. A Constituição então vigente, de 1891, somente considerava eleitores os homens. Observe-se que não havia essa disposição expressa no texto constitucional. Isso decorria do fato de que a expressão “cidadão” estar veiculada no masculino.
Poucos anos depois, a tradição jurídica brasileira criou uma de suas melhores obras legislativas: o Código Civil de 1916, elaborado pelo jurista cearense Clóvis Beviláqua. Nessa obra legislativa, a mulher casada era civilmente considerada incapaz, assim como os menores de idade e os índios.
Como se vê, a língua tem poder. Da mesma forma, a língua evolui.
Contudo, a língua não evolui com base na lógica, mas sim com base no uso. É o que ocorre com a história de “o Presidente” e “a Presidenta“. Dizem os puristas que “Presidenta” é errado porque “Presidente” abarca os dois gêneros. Usam como exemplo que o feminino de “Governante” não é “Governanta“. Esse argumento é falacioso porque, como disse acima, a língua evolui com base no uso, não na lógica. Inclusive, é com base no uso que a palavra “Governante” normalmente diz respeito a uma posição de poder político e “Governanta”, a uma posição de poder doméstico.
A palavra “Presidenta” não é corrente de uso porque sua ocorrência mais relevante, “Presidente da República”, só veio a se referir a uma mulher em 2010. Assim, a expressão “Presidenta” tem o intuito de reforçar essa condição: uma mulher ocupa o cargo.
No fim das contas: se a língua, instrumento de poder, evolui com base no uso, é com base no uso também que se transformam as relações de poder.
Ao se pedir uma Carteira de Identidade de Advogada, o que se quer é se reforçar a condição de igualdade entre advogados e advogadas. Se quer também promover a consciência dos espaços a ser ocupados pelas mulheres na comunidade jurídica, hoje majoritariamente masculina.
Esperamos do Conselho uma posição ativa nesse debate. E problemas técnicos com a gráfica não são desculpa para se negar o requerimento das colegas.