Mensagem aos libertários natalenses e à juventude em geral
Renato Galdino (com retoques de Luana Amarante)
Sofri, com minha mãe, o machismo e patriarcado do meu pai; vivenciei também as pressões dessa sociedade que constrói homens como coronéis e opressores de suas famílias e relacionamentos. Talvez isso tenha contribuído para me afastar do meu pai: antes de tudo militar; talvez ele ingenuamente quisesse me ensinar a ser homem segundo o senso comum do qual compartilha: dominar a mulher, ser violento, praticar constantemente assédio moral, constranger, ser o “comedor”, internalizar a homofobia, etc.
Encontramos as mesmas pressões nos círculos de amigos, na escola, na igreja etc. Por que não no meio libertário?
Não escrevo este texto para dizer que as mulheres não passam por isso; ou dizer que os homens sofrem mais. Estou dizendo, bem claramente, que os homens também passam por essa dominação machista. Somos filhos e filhas, talvez futuramente nalgum momento sejamos pais e mães.
Para muitos que se colocam como inimigos das palavras, imbuídos de muita “cultura libertária”, “pai” e “mãe”, sejam termos muito conservadores. Mas já presenciei diversas histórias e queixas de quem hoje reivindica, na cidade, fervorosamente, o dito anarcofeminismo: os dilemas familiares colocados na vida de meninas libertárias, até mesmo as “racha-machos”; a submissão de meninas aos ditames machistas muitas vezes escondidos por trás de discursos teóricos inteligentíssimos de autointitulados “teóricos anarquistas”…
Após os atos de violência e a tentativa de linchamento contra membros do Coletivo Cosmopolita de Mídia Livre (Coletivo Ecos) no centro da cidade, na terça-feira (4) de Carnaval, coube-nos fazer essa reflexão muito necessária, embora publicada um tanto quanto tardiamente. Não posso falar por todos aqueles que constroem o coletivo, ou os amigos e parentes daqueles que foram agredidos. Limito-me a condenar a violência das “rachamacho”, nomeada entre as mesmas como um nome muito bonito: “escracho político” contra um anarquista que é acusado de estupro, sem que existam provas legais contra ele ou muito menos o mesmo tenha sido “sentenciado” dessa maneira por seus próprios pares anarquistas, anos atrás, num “tribunal” horizontalista feito na época da acusação.
Agora, a covardia das rachamacho e seus hipnotizados ameaça a saúde de um homem que elas sequer conhecem, mas querem linchar ou difamar porque seu corporativismo totalitário assim comanda. Agem como uma gang, onde é preciso arrancar a cabeça de um inimigo para subir na hierarquia interna do grupo. É triste e revoltante ver que se negam a conversar, a ver a outra versão dos fatos e apenas perseguem com chavões e agressões. É ainda mais inaceitável que persigam um homem que não tem condições de defender-se sozinho de uma gang, visto seu estado de saúde debilitado. Isso, nós não aceitaremos!
Não vou deixar de frequentar os mesmos espaços de luta em virtude da vocação fascista de algumas pseudo-libertárias que não são muito diferentes dos famosos “justiceiros” assassinos e linchadores. Sou solidário aos meus companheiros agredidos, porque conheço o caráter destes e os reconheço como seres humanos livres e dignos de direitos.
Cresceu em Natal (ou melhor, no setor 2 da UFRN) o discurso de ódio das super “rachamachos”, ou melhor, um bando de “afetedxs” sob jugo de um rei momo “eusomonstrx” (estudante de ciências sociais e artista autonomeado também “lobo errático”) que foi coroado para além do anarquismo, para além do feminismo, como verdadeiro estandarte “queer”. Junto de seu harém intelectual catequista, esse indivíduo ressentido e egomaníaco veio inaugurar em Natal a violência como instrumento para conquista do consenso anarcofeminista – um consenso falsamente libertário, berço também de um academicismo estéril recheado de cacoetes de ódio, trauma e ignorância. Pela violência dedicada a indivíduos exemplarmente punidos segundo as injúrias que esse grupo de “afetadxs” atribui antes mesmo de qualquer diálogo, as “rachamacho” levantam, como maneira de aparecer politicamente, a pura violência dos desesperados, déspotas e hipócritas. Eis o cenário criado por indivíduos que usam da violência como forma de propaganda política de uma causa.
Na verdade, há um retrocesso da luta feminista na cidade; há a redução da luta à medida que a reprodução de práticas fascistas contra adolescentes e adultos, homens e mulheres, passa pelo assédio moral e pela violência física, com o objetivo “encantador” e, aliás, um tanto quanto eugenista, da absolutista “diluição do gênero”.
As difamações e injúrias contra pessoas, fora e dentro dos espaços da nova e velha militância, representam o triste passo dado por parte de um grupo de mulheres e seu patológico mago alfa.
Na rua, as justiceiras incitam o linchamento de homens, que no seu julgamento são apontados como machistas, misóginos, agressores e estupradores. Não muito diferente dos machistas, tentando colocar-se como superiores e totalitárias ao mesmo tempo em que usam do discurso de vítima para justificar a “justa” violência contra pessoas que muitas vezes são ilustres e conhecidos simpáticos e integrantes do feminismo e da autocrítica libertária.
O machismo e o patriarcado estão entranhados na sociedade burguesa e muitas vezes são refletidos dentro dos espaços libertários, como algumas vezes presenciamos. Anarquistas não estão acima dos outros meramente por serem anarquistas – contudo, os autointitulados teóricos e gurus libertários sentem-se blindados de críticas e no direito de serem inquisidores.
A manifestação da liberdade sexual, a livre manifestação da sexualidade, secularmente vem sido apedrejada pela padronização das relações sociais; a heteronormatividade faz parte do pacote conservador, assim como a ideia alienada de pátria e de família. Entretanto, a demonização e perseguição da heterossexualidade (mais uma vez, aos inimigos da palavra, isso deve soar conservador, mas estou sendo bem restrito ao seu significado: “atração pelo sexo oposto”) é muito diferente de traçar estratégias políticas para combater a “norma” imperativa de nossa sociabilidade.
As “rachamachos” criam sua moral a partir da resignificação da figura masculina, manifestação de seu simplismo político: o “masculino”, sob este princípio, tratado, à maneira simplória, como portador natural do machismo, do autoritarismo, do patriarcalismo, da homofobia e da violência. Reedificam alguns aspectos que caracterizam a própria doutrina machista, tomando para si, para suas próprias práticas, a violência e a punição exemplar. Nada mais vulgar e autoritário. Copiar o opressor nos faz pior que ele.
E como se tudo isso antecedesse supostamente uma “(r)evolução” repentina da sociedade machista, isto é, como se atentar contra a vida de outros indivíduos fosse algo libertário, assiste-se ao desfile de toda a euforia da violência pela violência contra os “culpados” sem julgamento nem diálogo.
De fato, as “rachamachos” e seu verborrágico guru anal-ista não nos surpreendem politicamente, não trazem nada de fato novo e revolucionário, enquanto, como vergonhosos policiais dos corpos, espreitam nos becos da Ribeira ou nos corredores da universidade, à procura de seus eleitos culpados.
As racha-macho são um câncer autoritário e sinistro no meio punk, anárquico e social. Quem é conivente com isso, deve repensar as consequências e causas desse delírio coletivo.