Por Thadeu de Sousa Brandão
Nesta segunda-feira, o Brasil lembrará daquele fatídico 31 de março de 1964. Naquele dia, o país mergulhou no mais longo período ditatorial de sua história republicana. Considerando os períodos de estado de sítio durante a República Velha e a própria Era Vargas, com suas intersecções democráticas e o tenebroso Estado Novo, o chamado Regime Militar (ou Ditadura Militar) é, de longe, o mais longevo.
Não foi inteiramente militar. O apoio civil, notadamente da aristocracia rural, velha elite temerosa (até hoje) de uma reforma agrária, juntamente com setores da burguesia nacional, fundamentaram a base socioeconômica do golpe.
A conjuntura externa – com a Guerra Fria – foi um fator decisivo. Afinal, sem a articulação dos EUA e seu apoio, inclusive militar, não haveria condições de se efetivar um golpe vitorioso. O medo, então, era do Brasil tornar-se uma “nova Cuba”, ou seja, partisse para algum tipo de revolução socialista. Os EUA interviriam em quase todas as nações da América do Sul e Central, assim como na África e em alguns rincões da Ásia. Perpetuar a liberdade e a democracia? Claro que não. O interesse era manter intacta suas áreas de influência, como mostram hoje os documentos do governo americano, finalmente abertos aos historiadores. Um parênteses: não foi da Secretaria de Estado dos EUA ou da CIA que o golpe foi gestado. Mas, de sua Câmara de Comércio. Se isso não falar por si mesmo…
Vivíamos o governo Goulart, de cunho populista, atacado pela direita raivosa (vide Lacerda) e pela esquerda garroteada pelo Comintern (vide PCB). Goulart, que de comunista nada tinha, apoiava-se no movimento sindical e em setores populares e camponeses. Bastou isso para a alcunha de comuna. Grande latifundiário, queria fazer uma ampla reforma agrária.
Os ânimos foram se acirrando paulatinamente. Alguns historiadores apontam que a forma de enfrentamento do presidente levou a isso. Duvido muito. Afinal, mal assumiu em 1961 e foi-lhe imputado o golpe parlamentarista. Voltando ao presidencialismo, as tentativas de golpe se sucederam.
A tradição golpista no Brasil é tão antiga quanto à República. Nascida de um golpe militar, estes se sucederiam tempos em tempos. O que agudizou o processo foi, com certeza, o tenentismo, movimento que culminou em 1964. A base sólida do Regime Militar eram de ex-tenentes. Principalmente a base nacionalista, pautada na ESG (Escola Superior de Guerra) e a turma da “Sorbonne”, como eram chamados os mais afeitos à pensar o país. A indisciplina militar, coisa quase inexistente em países democráticos e com tradição constitucional sólida, como os EUA, sempre foi um apanágio da América Latina. Nosso processo foi longo.
O golpe veio e poderia ter sido evitado. Uma parte da caserna, apesar da outra parte em ebulição, era disciplinada e respeitava o poder constituído. Mas, como lembrou o velho Marx, “os homens não fazem a história como querem, mas nas condições que lhes são dadas”. O golpe veio rápido e sem sangue. O regime que afirmava ser temporário, duraria uma longa noite de 21 anos.
A receita sociopolítica do golpe: uma classe média e elites conservadoras, uma elite agrária presa ao século XIX, uma caserna indisciplinada, um governo populista e afeito às grandes ações dramáticas, um contexto internacional de acirramento ideológico e forte presença intervencionista norte-americana. Junte tudo isso e apimente com uma mídia que foi comprometida com o golpe até a medula, e o prato está pronto. Uma ampla conjuntura, acrescida de crise econômica e inflação crescente.
Quando ouço e leio sobre um possível novo golpe, lembro desses fatores em conjunto. Quase nenhum deles é visível ou existente hoje em dia. Mas, aprender com o passado, além de uma questão de memória, é possibilitar que os erros antanhos não se tornem erros vindouros.
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SOBRE O AUTOR:
Thadeu de Sousa Brandão é Sociólogo, Doutor em Ciências Sociais, Professor de Sociologia da UFERSA (Universidade Federal Rural do Semiárido) e Consultor de Segurança Pública da OAB/RN-Mossoró
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BRANDÃO, Thadeu de Sousa. O 31 de Março de 1964: reflexões (1). Blog do GEDEV – Grupo de Estudos Desenvolvimento e Violência – UFERSA. Disponível em: < http://migre.me/iyFGI >. Publicado em: 28 mar. 2014.