Por Ivenio Hermes
É de conhecimento geral que o homem é um ser gregário, e desde que Aristóteles afirmou isso, muitas tem sido as experiências na tentativa de afirmar o contrário, que somos capazes de viver isolados e como um universo encerrado dentro de sua própria essência nos expandirmos em evolução. Esse experimento humano tem se mostrado sem sucesso, pois a despeito de nossa capacidade de viver em isolamento, nossa evolução fracassa.
Tenha compaixão, ajude os seus companheiros em qualquer oportunidade. Se a oportunidade não surge, saia do seu caminho para encontrá-la. (Código Samurai)
A medida que nos afastamos do convívio com outros seres de nossa espécie, nossas chances de desenvolvermos a empatia fenecem e cresce um processo interior de bestialização, uma migração do antigo ser “raciocinante” para um ser “reagente”, onde o primeiro pensa e congrega sua razão aos valores morais e respeito ao próximo, enquanto o segundo usa seu instinto primário para determinar suas reações diante do inusitado, como o perigo, a ameaça e a dor dentre outros sentimentos.
O crescimento na escala evolutiva proporcionado ao homem é importante, pois amplia seu próprio senso de auto valorização ao sentir-se necessário para a continuidade e sobrevivência de um grupo. Nesse aspecto, o Bushido, ou Código Samurai, mesmo talhado nos rigores de um caráter pétreo, ensina o homem a importância da vida em sociedade e como manter a consciência limpa é essencial para um viver honrado. O Código Samurai vai um pouco além ao mostrar que a lealdade entre amigos deve ser encorpada pela compaixão de um para com os outros, inclusive, buscando se desviar de seus interesses próprios, desviando-se do seu caminho individual em busca de oportunidades de oferecer essa compaixão para quem precisa.
E existe sempre alguém necessitado de afeto e compaixão, precisando de alguém disposto a estender a mão nessa ajuda. E isso nos relembra a fundamentação aristotélica que diz que é natural a união entre os homens porque o homem é um ser naturalmente carente. A afirmação de Aristóteles:
“As primeiras uniões entre pessoas, oriundas de uma necessidade natural, são aquelas entre seres incapazes de existir um sem o outro, ou seja, a união da mulher e do homem para perpetuação da espécie (isto não é resultado de uma escolha, mas nas criaturas humanas, tal como nos outros animais e nas plantas, há um impulso natural no sentido de querer deixar depois de indivíduo um outro ser da mesma espécie).” (Política, I, 1252a e 1252b, 13-4)
Aristóteles nos diz que existência da espécie humana não depende somente da perpetuação da espécie, e talvez por isso que, embora fazer parte de um grupo e por ele ser aceito traga uma certa paz, uma felicidade e um bem-estar, esse convívio requer um regramento para que haja interação, pois o convívio humano é recheado de desavenças motivadas por diferenças ideológicas, étnicas, religiosas e outras que nos obrigam a criar regras para manter as relações em harmonia.
Ausente da sensação da mão firme da compaixão estendida em sua direção, no dia 14 de março de 2014 outro guerreiro partiu. Ele vestiu seu quimono, simbologia da veste do guerreiro, e apontou sua arma para o coração, outra simbologia da tentativa de extirpar a depressão que o acometia, e assim deu seu adeus às armas e despediu-se do caminho da vida. Concordando ou não com a atitude dele, ninguém tem a autoridade para julgá-lo, pois no seu universo interior, em meio às circunstâncias de seu sofrimento, ele se viu sozinho, sem rumo e sem a compaixão daqueles seres humanos que o feriram e o injustiçaram ou o abandonaram.
Hoje nos resta a estupefação de perceber mais uma ausência causada pela morte, recordando que somos seres gregários, precisamos uns dos outros com vida e nenhuma morte se justifica diante do egoísmo de quem contribuiu direta ou indiretamente para o cessar de uma vida.
Se nos desviássemos do egoísmo irracional, da sensação do “primeiro eu depois os outros”, poderíamos dar adeus às armas que nos impulsionam para a batalha contra nossa própria espécie, mas enquanto isso não ocorre, precisamos reagir às injustiças cometidas contra àqueles que a sofrem, não por simplesmente fazerem parte de nosso grupo, mas porque nossa busca pela paz passa pela oferta da compaixão e da solidariedade, que nos desviam do caminho da vida.
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Para o Agente Penitenciário Federal Rogério Arruda Baicere (¤1977†2014) (in memoriam) e para todos que sentirão a ausência de sua contribuição para a sociedade.
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SOBRE O AUTOR:
Ivenio Hermes é Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves. Colaborador e Associado Pleno do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró. Integrante do Conselho Editorial e Colunista da Carta Potiguar. Pesquisador nas áreas de Criminologia, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial.
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HERMES, Ivenio. O Adeus às Armas e o Caminho da Vida. Disponível em: < http://j.mp/1nsrZGG >. Publicado em: 15 mar. 2014.