Caio Padilha não é, como ele mesmo diz, um “multi-instrumentista”, é um multi-artista: poeta, pensador dos paralelepípedos, músico, ator e outras coisas que não sei nomear, pois nem ele sabe – é aquilo que chamo de estado experimental ou surrealismo no café da manhã. Certo dia o encontrei por aí e resolvi entrevistá-lo. Prometi-lhe que o que fosse falado seria publicado sem restrições, até mesmo se ele falasse mal da maneira como eu formulei as perguntas. Mas não importa. Sim, mas “quem é Caio Padilha?” – Um (multi)artista potiguar, daqui, longe daqui mesmo. Entendam como queiram. Segue abaixo o que interessa:
– Como eu já vou falar alguma coisa na introdução desta entrevista, vamos ao que interessa, fale-me da sua trajetória.
Com essas perguntas sempre refaço minha trajetória. Não faço dela o meu traje, enfim. Já fui menino medroso de chorar por mamãe, de me achar filho ingrato, desses que todo mundo já viu. Gosto de lembrar. Fui instrumentista disciplinado…. violinista dos métodos japoneses, depois franceses… Acabei rabequeiro… acho bonito ter nascido no meio musical, passei nove meses ouvindo piano de barriga, até minha mãe barrigar-me ainda no Rio de Janeiro. Mas foi aqui que me senti, de uns anos pra cá, mais dono das minhas idéias, mais criativo e pleno de minha música, poesia. Vivi alguns de meus melhores anos na UFRN, no curso de Ciências Sociais. Ocasião em que fui premiado no festival universitário da canção. Ultimamente tenho me dedicado ao máximo para fazer do meu trabalho de artista a melhor das paciências, a idéia mais ingrata, a amiga mais discreta. Também tenho encaminhado alguns projetos teatrais no Grupo Estação, ensaiado a nova formação do Grupo 3 da Matina, e aprimorado a intenção de ser multi-instrumentista.
– Conte mais sobre esses seus projetos. Você andou andando por aí, não é, noutros territórios. Qual a diferença entre a visibilidade e aceitação que você tem aqui dos outros lugares?
Bem, o espetáculo “Em cada Canto um Conto” tem viajado por aí… fomos a Juazeiro e Petrolina pelo SESC, e em novembro vamos percorrer 8 cidades do interior pelo BNB. Acho que viajar à trabalho tem me preocupado com a relação que estabelecemos com o público de nossa cidade. Não se trata aqui exatamente de discutir visibilidade, difusão etc. Trata-se de perceber o problema de ter uma relação quase que familiar com o público local, que transforma o ato de apreciar espetáculos em um exercício demasiadamente afetivo. No final dos shows recebemos tapinhas nas costas de nossos compadres, mas não nos sentimos realmente levados a sério no que estamos produzindo. Quando estamos em outras cidades a platéia perde essa atmosfera de condescendência passiva. Tudo é enriquecido de ruídos estrangeiros, olhares mais severos, o que permite uma fruição artística, muitas vezes, mais gratificante, para ambos os lados. Não procuro exatamente aceitação de uma platéia… mas acho que ela tem um papel fundamental na atividade de ser platéia que preocupa o artista, se defende e ataca, destrói e consome a produção cultural, enfim.
– Como é sua relação com o meio-artístico daqui? do ponto de vista de quem faz música, quais as principais dificuldades? falo de apoios, abertura de editais, essas coisas.
Precisamos sair da mania dos festivais musicais de modelo concorrencial. Esses festivais (MPbeco, Universitário, Assembléia) vão se tornar mais interessantes quando se estabelecerem como “mostras de música”. Nesse modelo de “Mostra” cada músico apresentaria o seu show de 30 minutos, pré-selecionado pelo festival que pagaria o cachê para todos os concorrentes. Acredito que, dessa maneira, estaríamos realmente contribuindo para melhorar a qualidade da produção musical no estado. Não podemos mais ficar concorrendo a prêmios com musiquinhas avulsas, preparadas para o pudim. Precisamos obter proventos por produzir trabalhos musicalmente mais completos, que indiquem ao público e crítica o que o artista está propondo em 30 min de show. Talvez seja essa uma das medidas que amenizariam o arquipélagos musical que vivemos. Cada músico na sua ilha: Ilha da Catita, ilha de Krystal e “Retrovisores”, ilha dos instrumentistas e eruditos etc.
– Falando da “cena artística” potiguar. Pouca coisa a gente ouve falar que não seja de Krystal, Babau, Pedro Mendes, enfim, os artistas mais conhecidos. Você, que por enquanto é meio lado B (ou estou enganado?), poderia citar algo que se passa por aqui e que a gente não vê?
Sempre fico muito atrapalhado pra falar dessa coisa de Cena/Cenário Musical. Não acho uma “categoria” adequada, porque atende apenas o estilo de discurso que reina na imprensa local, extremamente identificado com um colunismo social irritante. Parece que todo jornalista que fala de arte nessa cidade é colunista social. Vê a “Cores e Nomes” da Margot na Cabugi. Retrata o artista a partir dos clichês típicos das páginas socialights. Margot não está sozinha, o três jornais principais da cidade não apresentam uma coluna séria de crítica cultural. Porra! Ainda hoje se faz uma acessoria de imprensa aos músicos baseada em favores pessoais. Não há imprensa especializada em crítica e pesquisa. Por isso não acredito que seja lado B aquilo que está acontecendo por debaixo de Babau, Pedrinho, Krystal etc. Diante da superficialidade da imprensa natalense, qualquer coisa é lado B. Para a Fundação e Capitania qualquer coisa é lado B, entende? Por que eles são o lado A, talvez.
– Você tem um DVD lançado por aí; na rede: myspace, divulgação de vídeos no youtube, sempre divulga seus trabalhos pelas redes sociais, aqui ou acolá tá tocando em festivais, eventos, etc. Você sabe que hoje a possibilidade de divulgar o trabalho é bem mais fácil que há dez anos, porém, com essa abertura, me parece que há um excesso de informações a tal ponto que não conseguimos mais ouvir nem uma música pela metade, porque há mais 1 milhão para a gente ouvir por segundo, sem exagero. Então, não só os ouvintes têm que peneirar como os artista têm que criar algo consistente (mas o que é algo consistente, não é?)… É um problema numa solução. O que você acha disso?
Bem, eu vivo cotidianamente parte de sua pergunta e parte de suas possíveis respostas. Hoje todos nós produzimos informação. Essa entrevista, por exemplo, está aumentando ainda mais o nível de ruído informativo, né? Mas não estou preocupado com os que não conseguem ouvir mais de 10 segundos de música, esses estão perdidos! Porque são os mesmos que conseguem ouvir horas dos forrozões enlatados, anos de jingles televisivos, dvd´s alcoólicos… Estou preocupado em fazer coisas inteiras para os que precisam delas. Mas participo da desinteria da internet com tranqüilidade, sem maiores pretensões. Não sou crente dos fenômenos de fama virtual, instantânea, sei lá!