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Adolescência: uma travessia repleta de turbulências e particularidades

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adol iiComo consequência das mudanças estruturais das últimas décadas, questões comportamentais que envolvem papéis e funções familiares sofreram impressionantes abalos. Especificamente, os aspectos psicossociais da adolescência contemporânea, que estão causando preocupação e questionamento, nos convidam para reflexão mais ampla e humanizada.

A adolescência pode ser considerada como uma etapa de desenvolvimento transitória, uma “travessia” inquietante entre a infância e a vida adulta, repleta de particularidades que merecem um olhar psicossocial diante das mazelas contemporâneas. Uma “travessia” que para muitos é extremamente turbulenta no que se refere as questões de afeto, emoção, sexualidade, inibição, identidade, aparência, limite, agressividade, etc.

Um momento determinante para a construção da identidade e pilares internos muito fundamentais. Também de desenvolvimento do olhar e avalição sobre si próprio (autoestima), resultante de suas interações, contingências e demandas da infância.

Contingências e interações que também são fomentadas pelos adultos que estão no ao redor e universo cotidiano (símbolos e representações) alimentando as construções muito particulares que definem a relação de cada adolescente com o mundo. Construções particulares diante de uma sociedade cruel e perversa, incapaz de acolher aqueles que expressam alguma vulnerabilidade e fragilidade.

A busca por modelos de identificação também é bastante comum para a construção psicossocial do adolescente. Mas, quais os modelos de comportamento “oferecidos” pela sociedade contemporânea? Num contexto esvaziado de valores humanos e referências éticas, os modelos mais comuns a se espelhar são aqueles que fazem “sucesso”: os mais valentes, os que matam mais, os que ganham mais dinheiro, os que aparecem em capas de revistas, etc.

As funções de autoridade afetiva, orientação, referência ética e exemplo que deveriam ser exercida por pais/mães estão num estado de falência absoluta. Sejam aqueles em que os pais são executivos “sofisticados” ou trabalhadores braçais. Os filhos de ambos podemos chamar de órfãos de pais vivos!

O caos que envolve os adolescentes contemporâneos é resultante do abandono e desamparo de uma etapa primordial de construção de identidade e segurança pessoal. A energia das inquietações e transgressões comuns do período é desperdiçada e canalizada para atos infratores ou para inúmeros escapes vazio e alienantes (uso de entorpecentes, por exemplo).

Turbulências internas, alimentadas por um contexto de adultos miseráveis emocionalmente, impotentes afetivos, hiperestímulos, ausência de diálogo e desamparo, resultaram em consumo de drogas ou em práticas infracionais. Drogas para produzirem sensações de “alívio” (ou para se sentirem “vivos” /eufóricos) e atos infracionais para adquirem poder e demonstrações exibicionistas e de consumo.

A sociedade perversa e ignara (baseada na formação de consumidores e não cidadãos), não sabe o que fazer para conter os ímpetos de violência dos adolescentes. Mas, é esta mesma sociedade que alimenta os violentos estímulos para que os mesmos adquiram (não importando quais os meios) poder, dinheiro, status, visibilidade, estética.

Estes adolescentes resultantes de abandono e falta de orientação de pais vivos, não tiveram oportunidade de trabalhar suas transições internas, confrontar seus narcisismos com a realidade. Por isso, estão vulneráveis a desenvolver transtornos como sociopatia, prolongar sua prática parasitária, buscar saciar seus desejos agindo com violência e sem nenhum tipo de remorso por suas vítimas.

Importante frisar que a pobreza material não é determinante para que indivíduos pratiquem crimes, mas a miséria material potencializa um cotidiano comprometedor em ambiente de abandono dos direitos básicos, que alimenta desumanização e ignorância. Dificilmente, neste contexto, adultos podem oferecer para adolescentes o que não receberam, a violência e agressão passam à ser os recursos comuns.

Bastante comum entre os adolescentes é a necessidade de agregação e sentimento de pertencimento, mas que num contexto de abandono ser transforma em adesão  à gangues e outros meios de canalizar uma violência contra a sociedade, patrimônio público, etc. Inclusive, cabe para muitos a construção de inimigos eleitos pelas “representações”, como o torcedor do time adversário, o morador do bairro vizinho. Intolerância gratuita!

Os adolescentes alienados (negro, branco, rico, pobre) estão entre os mais vulneráveis aos apelos do consumismo doentio e modelo de comportamento oferecido pela mídia. Por este motivo, quase todos os atos de infração dos mesmos tem como motivação saciar os desejos de consumo, notoriedade , exibição e poder diante do grupo que fazem parte.

Diante desta realidade complexa aparecem fascistas que sugerem soluções “imediatas” e violentas como a proposta da redução da maioridade penal. Conservadores muito mais preocupados com a violência aberrante que atinge também a classe média em seus carros e condomínios.

Realidade caótica que devidamente explorada pelo sadismo e sensacionalismo aberrantes dos jornais policiais e seus apresentadores bizarros (visivelmente grosseiros, servis e despreparados) que exploram a ignorância dos mais pobres. Diante de milhares de pessoas, estimulam abertamente a barbárie, o extermínio, a tortura como “solução” imediata para um problema que envolve várias instâncias.

Mudar a data da punição apenas camufla e transfere o problema, pois os mesmos que sugerem não querem mudar a sociedade, não querem rever valores e nem mudanças estruturais significativas e sim apenas “corrigir” este detalhe e livrar-se de uma “escória” que incomoda. Olhar para criminalidade adolescente apenas com conotação jurídica e de punitiva apenas nos dá a impressão de solução imediata.

A sociedade é cruel e perversa, as funções familiares são permissivas e falidas, não existe contexto favorável para crianças e adolescentes se desenvolverem psiquicamente sadios. Os grupos humanos contemporâneos têm os cidadãos que necessita e que merece: ignorantes, violentos, embotados, frios e indiferentes diante da dor alheia e das situações públicas.

Primeiramente é importante as famílias assumirem as responsabilidades das formações de seus filhos, fazendo uma importante parceria com a sociedade, que ao invés de priorizar o consumismo poderia privilegiar a educação de nossos jovens. E no caso dos infratores, é lamentável que a justiça possa fazer muito pouco além de encarcerar em seus centros de ”reeducação”.

A situação dos adolescentes contemporâneos parece irreversível, daí surgem propostas fascistas ou estapafúrdias do tipo colocar detector de metais nas escolas ou até mesmo inserir um chip na camisa dos mesmos! Absoluta falência de ferramentas educacionais e cidadãs, diante daqueles que depositamos esperança de serem os principais agentes de mudança e transformação que as sociedades tanto necessitam.

Lamentável constatar que para muitos a adolescência se resume apenas como uma passagem cronológica, com suas energias, construções e ímpetos desperdiçados. Lembrava Renato Russo: “Os jovens são tão jovens e fica tudo por isso mesmo!”