A CARTA ENCAMINHADA À ilustradíssima REITORIA
QUE SERVE COmO OUTROS DOCs SERVIRÃO DE BASE PARA A REUNIÃO DO DIA
14/11/2013:
Nós, estudantes e artistas reunidos em caráter urgentíssimo, viemos, através do presente expediente, expor nosso posicionamento a respeito da recente ocupação do prédio do Departamento de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (DEART-UFRN), conforme descrevemos a seguir.
Aos 07 dias de novembro corrente, turno vespertino, ocorreu no entorno do DEART uma intervenção artística, envolvendo artistas e estudantes ligados a esta Instituição de Ensino Superior, assim como integrantes da comunidade externa.
Na ocasião, diversos tons de expressão e protesto foram se delineando, com uma postura aberta e explícita que tinha, para a maioria dos interventores, o propósito de expor descontentamentos, evocar sua liberdade de expressão e, principalmente, demarcar sua identidade artística num ambiente que, embora acadêmico, não pode abandonar o ethos que a todos une: a arte.
Interpretando-se tal episódio como um atentado à ordem e ao patrimônio, ato contínuo, diligenciou-se a retirada do espaço de convívio construído e cuidado pelos alunos do Departamento, designado “garden”, fato que resultou em ainda mais grave descontentamento de seus frequentadores, eclodindo na dita ocupação, a partir da noite de 07/11/2013.
Diante da crescente repercussão do ato, a ela se agregaram outros interessados, mesmo que sem qualquer envolvimento com a causa acadêmica e artística que aqui defendemos, vislumbrando nossa atitude o pleno reconhecimento de nossa identidade de artistas, bem como o aperfeiçoamento das condições de ensino, aprendizagem e expressão desenvolvidas no âmbito do Departamento e da Universidade.
Assim como vem ocorrendo nos últimos protestos de massa em todo mundo, estamos agora diante de um cenário que envolve muitos sujeitos, muitas causas e muitas formas de enunciação. Sem lideranças e sem demandas definidas, eclode uma multiplicidade de ações, com atores e motivações diversas, o que coloca qualquer analista diante de um novo desafio.
Porém, existe um grupo de artistas que possui causa e demandas definidas, restando claro que, para muitos, não se trata o atual cenário de um mero ato de rebeldia, de uma anarquia em descontrole ou de um vandalismo que destrói. Ao contrário, estamos cientes de que se trata de uma erupção de viés político, que pode oportunizar a todos – alunos, artistas e gestores – a construção de um novo espaço acadêmico e artístico, pautado no atual paradigma democrático e que, por isso, há de abraçar a regra da liberdade.
Como sucedâneo desse tal princípio democrático – que uma instituição universitária deve sempre preservar -, tomamos como pauta primeira de nossa causa o reconhecimento da identidade dos cursos e dos alunos ligados ao Departamento de Artes da UFRN. Isso porque a arte nunca admitirá sua redução a um conjunto de conteúdos programáticos, pois será sempre mais genuína na atitude e no desenvolvimento de talentos do que nas tentativas de abstrações teóricas, não obstante sua também reconhecida importância.
Com isso, a arte, assim como a educação, coloca-se como mais uma forma de expressão política, passando a integrar definitivamente este universo – o universo da política -, antes reservado às antigas aristocracias, aos burocratas e aos fidalgos das grandes elites.
Esse encontro entre arte e política é facilmente detectável, sendo possível elencar vários exemplos ou episódios que marcaram sua trajetória ao longo dos tempos. Tomando um destes precedentes, basta ressaltar que a história sempre revelou a repressão do “diferente” como uma das marcas dos regimes autoritários, o que inevitavelmente impactou nos movimentos artísticos, seja sufocando-os, seja dando-lhes novos contornos, enquanto forma de resistência e crítica e resultando num potencial criativo sem precedentes. Em outras palavras, tanto ou mais que os protestos políticos organizados, a atitude artística desviante era considerada uma ameaça que merecia ser fulminada, neutralizada e abafada.
O que nos serve como lição é que toda insurreição busca uma libertação. Desde a mais antiga e desconhecida das revoluções, o que temos como certo é que nunca mais cessarão de ocorrer.
No cenário ao qual nos reportamos (UFRN), sem lideranças ou heróis para nos representar, estamos aqui nos “insubordinando” principalmente contra a indiferença quanto à nossa identidade e às nossas necessidades, inclusive contra o esquecimento daquilo que somos quando são pautadas as prioridades ou políticas institucionais.
Ao buscar despertar a atenção desta Universidade para nossa pequena multidão, parece ser uma automática sensação aquela de estranhamento, pois soa como se a comunidade universitária passasse a sofrer a “imposição” de um convívio com estes “estanhos” integrantes: os artistas.
Contudo, não é o caso de repetir-se aquilo que muitos tentaram realizar quando os primeiros manifestos de massa surgiram na história ocidental, numa proposital tentativa de demonizá-los, descredenciá-los e, agora, de criminalizá-los.
Como bem designou Rosa Luxemburgo, o recente episódio nada mais é que nosso “espontaneísmo”, nossa potência criativa, nossa autenticidade instintual e, quem sabe, até nossa ingenuidade. Contudo, disso pode-se extrair um qualitativo avanço para a maturidade democrática institucional, pois ao “desordenar a ordem” também podemos sair da paralisia e da rotina que não nos serve mais.
Por tal motivo é que, em busca de dar direção a tal espontaneidade e potência, elencamos abaixo os aspectos que requerem desta Universidade um posicionamento comprometido e breve, ante a urgência que tais questões evocam:
0) Imediata retratação pública por parte do Ilmo. Sr. Marcos Alberto Andruchak, Chefe do Departamento de Artes da UFRN, encaminhada a cada aluno da instituição pelo sistema integrado de gestão de atividades acadêmicas, de forma a esclarecer o equívoco da retaliação administrativa.
1) Reconhecimento da identidade artística dos alunos e professores do Departamento de Artes, assim como uma maior apropriação do universo da criação e expressão artística, garantindo-lhe espaços de manifestação;
2) A constituição de comissões de revisão dos Projetos Político-Pedagógicos dos Cursos do Departamento, vislumbrando uma maior busca e desenvolvimento da identidade artística;
3) Planejamento e construção de infraestrutura hábil a atender às necessidades de criação e expressão artística de discentes e docentes dos cursos;
4) Instalação de biblioteca setorial, com renovação/ampliação de acervo e serviço completo de atenção aos usuários, nos três turnos de funcionamento das atividades acadêmicas;
5) Restauração do espaço de convívio de alunos no entorno do Departamento:garden;
6) Oferta de serviço de reprografia no prédio do Departamento, incluindo-se nos termos de referência de processos licitatórios a previsão de atendimento a todos os setores e espaços de desenvolvimento de atividades acadêmicas da Universidade;
7) Ampliação da oferta de cursos de formação continuada, sobretudo Stricto Sensu (mestrado e doutorado), nas diversas áreas ligadas às artes;
8) Planejamento de Política de Divulgação Artística e Científica para o Departamento de Artes, com criação de periódicos que contemplem a produção de docentes e discentes dos cursos;
9) Ampliação de políticas de bolsas de estudos no âmbito da Graduação e Pós-Graduação;
10) Realização de processos seletivos para professores efetivos com requisitos acadêmicos e de experiência profissional que atendam às necessidades autênticas do curso ou conteúdo a que se destina a vaga objeto do concurso público;
11) Garantia institucional, pública e oficial, de que não haverá qualquer criminalização ou retaliação (judicial ou administrativa) à ocupação ou intervenção já realizada neste Departamento de Artes, assim como experimentos, testes, ensaios ou estudos artísticos.
Neste ambiente, esperamos contar com a atenção das autoridades aqui endereçadas, requerendo-se o agendamento de audiência nas três (ou com as três instâncias mencionadas), abrindo-se um espaço de diálogo e melhor apropriação dos aspectos aqui elencados.
Termos em que, subscrevemos e pedimos deferimento.
Natal, 11 de novembro de 2013.